quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Pôr pra trabalhar quem nunca trabalhou, né, Sérgio Cabral?



O choque de ordem de Maria Moita -

Elio Gaspari

O Rio de Janeiro precisa de um choque de ordem. Em pouco mais de 24 horas, o governador Sérgio Cabral passou do descaso à empulhação e assumiu uma postura de dragão de festa chinesa para rebater as críticas de que sumira diante das tragédias de Angra dos Reis e da Ilha Grande.

Cabral anunciara que passaria a última noite de 2009 em sua casa de Mangaratiba. Dispondo de acesso a uma marina, estava a 40 minutos da Praia do Bananal ou da encosta da Carioca. Por terra, são 57 quilômetros, lembrou o repórter Ricardo Noblat, que passou o dia 1 procurando-o.

O tempo consumido por Cabral para chegar a Angra seria justificável se os desmoronamentos tivessem ocorrido em abril passado, quando estava de férias em Paris. Caso tivesse recebido a notícia no hotel (o George V, apreciado por Greta Garbo) no início da manhã, teria como pousar no Galeão no meio da madrugada seguinte, debaixo de aplausos.

Sempre que um governante entra atrasado na cronologia de uma catástrofe, procura oferecer uma explicação racional. George Bush está explicando até hoje por que acordou tarde no episódio do furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2005. Cabral justificou-se com uma aula de ciência política autocongratulatória:

- Tenho discernimento e seriedade. Em uma situação de crise, quem tem que estar no local são as autoridades que de fato podem assumir o comando do problema. Você jamais vai me ver fazendo demagogia. No momento de crise, estavam aqui os dois secretários da Pasta. Qualquer exploração política a respeito chega a ser um deboche com a população. Isso é ridículo.

Ridículo é pagar impostos para ouvir coisas desse tipo. Se não havia o que fazer na região do desastre na sexta-feira, por que ele foi lá no sábado? Discernimento? Seriedade? Demagogia? Pode-se dizer o que se queira do marechal-presidente Castello Branco (1964-1967), menos que ele fosse bonito ou demagogo. Pois na enchente de 1966 ele foi à Rua das Laranjeiras, onde desabara um edifício.

Cabral saiu do ar na quinta-feira, dia 31. Às 15h daquele dia, estavam confirmadas as mortes de 19 pessoas na Baixada Fluminense e em Jacarepaguá, com pelo menos 600 desabrigados. (No dia seguinte seriam 4 mil.)

Admita-se que as visitas a locais de desastres (todas, inclusive as do Papa) são gestos simbólicos, pois o que conta é a qualidade da gestão.

Nesse aspecto, a de Cabral é pré-diluviana. Em 2009, seu orçamento tinha R$ 152,7 milhões alocados para obras de controle de inundações.

Numa conta, de seus técnicos, gastou 67% desse valor. Noutra conta, gastou nada.

Se não fez o que devia, o que não devia, fez. Em junho, o governador afrouxou as normas de proteção ambiental da região do litoral e das ilhas de Angra, beneficiando sobretudo o andar de cima e seu mercado imobiliário. O Ministério Público entrou na briga e o caso está na mesa do procurador-geral Roberto Gurgel.

O choque de ordem de marquetagem que Cabral, seu prefeito e sua polícia aplicam espetaculosamente no Rio de Janeiro vale de cima para baixo. Pega mijões, camelôs e barraqueiros. O alvo é sempre o "outro".

Um dia virá o choque de Maria Moita, trazido por Vinicius de Moraes e Carlos Lyra:

"Pôr pra trabalhar

Gente que nunca trabalhou."

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