terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

No espírito carnavalesco carnal



No espírito carnavalesco espiritual

Circo da Notícia


CASO PAULA OLIVEIRA
Xingar é fácil, apurar é bem mais difícil

Por Carlos Brickmann

Tudo bem, suíço é chato mesmo. Se você entra num cinema, tem de ocupar a cadeira ao lado do último que se sentou, mesmo que a sala esteja vazia. Os italianos, no meio de toda aquela confusão que os caracteriza, geraram Michelangelo, Mascagni, da Vinci, Dante, Bernini, Verdi, Rossini, Rafael. Os suíços, no meio de toda aquela ordem, conseguiram criar o relógio-cuco e alguns queijos.

Pronto: já falamos mal dos suíços. Agora entremos no caso de Paula Oliveira. Nossos meios de comunicação repetiram todos os erros do caso Escola Base; e as consequências só não foram mais graves porque o caso ocorreu fora do Brasil. As informações foram aceitas sem contestação. A imprensa não fez o mínimo indispensável (por exemplo, falar com a mãe da moça, que estaria com ela ao telefone no momento do ataque, para saber o que teria ouvido; ou entrevistar um médico sobre a possibilidade de uma pessoa consciente ser cortada sem que houvesse sequer um tremor nos riscos. Seria possível que a moça não tivesse nem contraído os músculos de dor ao ser riscada por estilete?). E, já que não havia fatos a narrar, saiu batendo nos suíços, como se lá houvesse uma caça aos estrangeiros. E, dos países europeus, a Suíça é dos menos xenófobos.

O SVP, por exemplo, é um partido detestável. É ultranacionalista, é contra a imigração, essas coisas. Mas não é neonazista. O SVP integra um governo democrático, que trata os imigrantes melhor que os espanhóis, onde os guardinhas de aeroporto maltratam os brasileiros (e provavelmente outros visitantes) e não provocam, da parte de nossas autoridades, reação tão violenta.

Um detalhe interessante é a justificativa de muitos jornalistas para chutar da medalhinha para cima: basearam-se em portais que mereceriam confiança. Se é para repetir o que publicaram "portais confiáveis", por que jornais, por que tevês, por que rádios, por que outros portais? Por que não ficar só naqueles confiáveis?

O pai agiu certo: achou que a filha tinha sido atacada e chamou a imprensa. Caberia à imprensa, diante dos fortes indícios de que tinha acontecido alguma coisa (e os indícios iniciais eram fortes), noticiar o fato, mas deixando para o leitor uma porta aberta, que demonstrasse que não se tratava de uma história sem falhas. Caberia levantar dúvidas, pensar sobre a história, procurar congruências e incongruências. E, principalmente, não caberia de forma alguma atacar outro país, considerando-o responsável por um evento que, mesmo que tivesse ocorrido, poderia ter sido fortuito.

A propósito, os jornais suíços incorreram no mesmo erro: passaram a atacar o Brasil, a dizer que aqui as notícias são inventadas, que 72% dos brasileiros não gostam de imigrantes – de onde tiraram esses números, ninguém sabe (e este colunista, neto de imigrantes do exterior, filho de imigrantes do interior, não encontrou ainda todo esse povo xenófobo que a imprensa suíça está vendo).

Besteira: transformou-se um incidente numa espécie de jogo de futebol, em que o importante é ganhar no grito, não importa quem tenha razão.



A Folha e os patrulheiros

A Folha de S.Paulo publicou editorial referindo-se ao Governo militar como "ditabranda". Na opinião do jornal, a ditadura brasileira, com todos os seus excessos e violência, não atingiu os níveis de barbárie de outras ditaduras latino-americanas. Não é a opinião deste colunista, que divide a ditadura brasileira em dois períodos distintos: o primeiro, em que houve determinados níveis de violência, e o segundo, em que a violência se aprofundou terrivelmente. E, por chamar a primeira fase de "ditamole", um leitor protestou duramente e manteve com este colunista uma excelente troca de cartas, muito bem embasada de sua parte.

A opinião da Folha não é a deste colunista, mas o jornal tem todo o direito de tê-la; da mesma forma, os leitores têm todo o direito de discordar do jornal, no todo ou em parte, de manifestar-se com veemência e indignação, de levar suas divergências até o ponto de eventualmente deixar de lê-lo. Não é aceitável, porém, que patrulheiros ocultem sua militância política e escrevam como se fossem leitores comuns, sem interesse ideológico especial – ou, pior ainda, escondam-se sob pomposos títulos universitários e ocultem sua intensa atividade partidária.

É dentro dessa perspectiva que deve ser avaliada a dura resposta da Folha aos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato ("A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro (...) Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa."): nenhum dos dois se identifica como militante de esquerda, nenhum dos dois se identifica como militante do PT, nenhum dos dois se identifica como simpatizante do MST. É como se fossem leitores comuns, não-militantes, mas que não esquecem dos títulos universitários para dar mais peso a suas opiniões.



Erramos

Sérgio Davila, leitor desta coluna e correspondente da Folha de S.Paulo nos EUA, pegou um erro básico publicado aqui: o caso do ladrão de cavalos, antepassado comum de uma genealogista e de um senador, é uma lenda de internet. A história era ótima – tão boa que deveria ter acionado as antenas deste colunista. O erro é ainda pior porque várias versões do caso estão citadas entre as lendas da Internet, no site http://www.snopes.com/politics/humor/horsethief.asp



Faltou dizer

Dos demitidos da Embraer, a maior parte é de São José dos Campos, SP, berço da empresa. Três mil pessoas são 0,5% da população da cidade. E as coisas não param por aí: há dezenas de empresas na região cujo principal ou único cliente é a Embraer, e que terão de cortar fundo. Apenas como comparação, três mil demitidos em São José equivalem, como porcentagem da população, a 12 mil desempregados em Belo Horizonte. Os meios de comunicação preferiram uma cobertura macroeconômica, mas faltou mostrar o que acontece a uma cidade em que 0,5% da população perde o emprego de uma hora para outra (e mais um monte de gente sabe que também está à beira do corte).

É numa hora como esta que se lamenta a falta que fazem na redação repórteres como Ricardo Kotscho, Ewaldo Dantas Ferreira, Fernando Portela. Estes nem precisariam de pauta, ou de ordem do chefe de reportagem: já chegariam à redação com a mochila de roupas, procurando a requisição de transporte e de verba.



Bye, Bill

Ele ocupou um cargo que nos jornais de hoje não existe mais. Nos velhos tempos, como as sucursais eram pequenas e as comunicações deficientes, os jornais do Rio e de São Paulo tinham uma espécie de convênio de aproveitamento mútuo de informações. O Jornal do Brasil colhia as informações paulistas na Folha de S.Paulo. E quem fazia o meio de campo era Guilherme Duncan de Miranda.

Parece fácil, mas não era. Os repórteres, ciumentos de suas matérias, muitas vezes as escondiam do representante do outro jornal. Bill, muito hábil, extremamente simpático, foi conquistando todo mundo e conseguindo as matérias numa boa (detalhe curioso: em suas folgas e férias, quem aparecia na Folha para pegar matéria era o hoje ministro Miguel Jorge).

Esses convênios, creio, nunca terminaram; mas se esgarçaram com o tempo. O JB acabou levando para sua sucursal boa parte da Folha. Era um timaço (no qual este colunista se incluía): Ebrahim Ali Ramadan, Bernardo Lerer, Laerte Fernandes, Rolf Kuntz, Guilherme Miranda, Miguel Jorge, grandes fotógrafos como Manoel Motta e Oswaldo Maricato. No Rio, a redação era comandada por Alberto Dines, tendo como lugares-tenentes Carlos Lemos e Luís Orlando Carneiro; na chefia da reportagem, Fernando Gabeira – ele mesmo.

Não era lugar para amadores, e Bill Duncan sempre esteve entre os melhores. Foi para o Jornal da Tarde, que surgia, junto com quase toda a redação paulistana do JB; mais tarde, bem mais tarde, foi um dos comandantes da Sucursal do JT no Rio. O Rio ficava mais perto de sua cidade natal, Campos – dele e de sua esposa, Cláudia, também uma grande figura (ambos devem estar no livro Guiness, quesito Casal no Jornalismo, com seus 40 anos de casamento).

Bill, atraído por uma grande empresa, a Esso, coordenou durante anos, primeiro como funcionário, depois como sócio de um escritório especializado (onde era sócio de outro craque, Ruy Portilho), o Prêmio Esso. Foi um dos que convenceram os novos donos brasileiros da Esso a manter o prêmio, o mais importante do jornalismo brasileiro.

Guilherme morreu na semana passada, depois de seis anos de luta contra o câncer. Foi um jornalista importante, competente, sério, inatacável. Mas não é possível lembrá-lo só por este lado. Bill Duncan sempre foi um grande companheiro, pronto para ficar ao lado dos amigos – e quantos amigos! Para usar uma expressão insubstituível, em yiddish, Bill era mensch – gente boa.



...e o eco responde

De acordo com a notícia, várias línguas estão em risco de extinção no Brasil. Em dois casos, o kaixana e o apiaká, cada língua é falada por apenas uma pessoa. No caso do kaixana, só Raimundo Avelino, de 78 anos, fala a língua.

Só uma dúvida, que a reportagem bem que poderia esclarecer: se só Raimundo Avelino fala a língua, com quem é que ele fala?



Como...

De um grande portal jornalístico:

Cavalo da PM dispara após jogo

Animal atuava no clássico entre Cruzeiro e Atlético-MG.



...é...

De um grande jornal:

Bombeiros isentam muro de culpa no clássico

O muro, espera-se, será imediatamente posto em liberdade.



...mesmo?

Este saiu de um press-release:

Dia da Mulher regado a morango e champanhe no Spa (...)

Se não falha a memória deste colunista, a proposta do Spa citado não era, antigamente, conhecida como "bacanal"?



E eu com isso?

Demissões, quebras, empréstimos trilionários (quando é que o caro leitor pensou que leria, sem mexer uma sobrancelha, a notícia de que o plano Obama envolve dois trilhões de dólares?), mistérios – como é que o mercado de carros se mantém razoavelmente aquecido nesse clima terrível?

Mas a vida continua. Luana Piovani, por exemplo, foi à praia no Rio. Sozinha! Roberta Close toma caldo no mar de Ipanema, no Rio, e exibe celulites. Amy Winehouse mudará de casa. E há muito mais notícias de onde estas saíram:

1. Tony Ramos compra revistas no Leblon

2. Thiago Lacerda discoteca no Bailinho

3. Kevin Federline é visto bem acima do peso

4. Sérgio Marone é fotografado saindo de lavanderia no Rio

5. Ronaldinho perde seu cachorro em Milão

6. Fátima Bernardes faz caminhada com amiga, no Rio

E, naturalmente, há notícias sobre a crise mundial:

Com recessão global, ataques de tubarões diminuem no mundo



O grande título

Há excelentes exemplares nesta semana. Comecemos com dermatologia, cosmetologia, beleza, biologia, tudo junto:

Roedor pelado dá pistas para fugir das rugas

Continuemos tratando de medicina, problemas de saúde, aviação:

Vôos cada vez mais longos aumentam crises de saúde em aviões

Coitados dos aviõezinhos! Os passageiros, vá lá, não podem manter a saúde viajando apertadíssimos, sem espaço nem para ler, naquelas poltronas que o ministro Nelson Jobim disse que iria mandar trocar e esperando a hora em que vão lhe botar um passageiro no colo. Mas os aviões, puxa, com tanto espaço lá fora!

E, mudando um pouco os hábitos desta coluna, o melhor título da semana não é exatamente um título: é um texto. Mas vale:

No segundo, aos 44, ele comeu um zagueiro e deu com capricho para Wilson fazer o segundo gol do rubro-negro pernambucano

Deve ter sido um espetáculo assaz singular.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

No Mundo da Lua News acompanha a concentração carnavalesca

Poix, poix


23 Fevereiro 2009 - 00h30

Estatística: Perfil do assassino aponta para homem que mata durante a noite

Estrangeiros matam em Portugal

Homem, 31 a 40 anos, mata com tiro de pistola um conhecido no meio da rua, na sequência de uma discussão entre as 20h00 e a meia-noite. Do sexo à idade do homicida, passando pela arma que utiliza, o tipo de relação que tem com a vítima e o local, a motivação e até a hora do crime, todas as características acima descritas encaixam no perfil da pessoa que assassina em Portugal.

Num estudo a que o CM teve acesso, feito com base numa amostra de 132 homicídios ocorridos na área da Polícia Judiciária de Lisboa, entre os anos de 2000 e 2004, constata-se também que 40,5 por cento são cometidos por cidadãos estrangeiros.

Estes cinco anos representam o último período em que foi possível extrair toda a informação – uma vez que são 132 casos, em que os homicidas foram condenados. As características do assassino estão já perfeitamente identificadas, em homicídios cometidos na área a sul das Caldas da Rainha até Évora, com excepção da zona de Setúbal. E constata-se no estudo que este pretende a partir desta amostra dar uma noção da realidade nacional, a de que apenas 59,5% dos homicidas são portugueses. Os outros são turistas ou imigrantes, legalizados ou não.

Este estudo conclui que a maioria dos homicidas são homens (92,6%); têm entre 31 e 40 anos (38%); matam os conhecidos (32%); na sequência de discussões pontuais, muitas delas potenciadas por consumo de álcool (37%); na via pública (54,6%); à noite (41,4%); e com arma de fogo (41,7%).

QUEM MATA EM PORTUGAL E PORQUÊ

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: MARIA DAS DORES MANDOU MATAR MARIDO

Em Janeiro de 2007 mandou matar o marido, em Lisboa, para herdar seguro de vida e as contas bancárias

MOTIVO SEXUAL: ANTÓNIO COSTA ASSASSINOU TRÊS JOVENS

Face à recusa de três raparigas de Santa Comba Dão em ter relações sexuais, matou-as, em 2006

MOTIVO SEXUAL: PADRE FREDERICO ASSASSINOU UM ADOLESCENTE

Nos anos 90, o padre Frederico foi condenado por homicídio e abuso sexual de um menor na Madeira

CARLOS POIARES, ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA CRIMINAL: 'NINGUÉM ESTÁ A SALVO'

Correio da Manhã – Como interpreta os números revelados por este estudo?

C.P. – Deixa-me muito preocupado. A criminalidade está a mudar em Portugal e tende a ficar mais organizada.

– Que consequências é que podem surgir?

– Em primeiro lugar, a sensação de que ninguém está a salvo e, claro, o aumento de vítimas.

– O que pode ser feito?

– Não menosprezar os efeitos desta realidade. Temos de perceber quem entra em Portugal e com que objectivo. Mas o que me parece mais importante é saber que ajudas é que recebem no nosso país. Alguém de cá está a facilitar-lhes a vida.

IMIGRANTES SÃO 7% DE LISBOA E VALE DO TEJO

A população imigrante na região de Lisboa e Vale do Tejo, em 2006, era de 258 mil pessoas, ou seja 7% do total de 3,6 milhões de habitantes. Na comunidade estrangeira, a esmagadora maioria residia no distrito de Lisboa, com 189 mil habitantes, dos quais 41 mil são provenientes de Cabo Verde, 28 mil do Brasil e 22 mil de Angola. Portugal contava então, segundo as estimativas do INE, com 10599095 habitantes. Segundo o último recenseamento realizado em Portugal, em 2001, viviam em Lisboa e Vale do Tejo 3,4 milhões, dos quais 213 mil pessoas eram estrangeiras (6%).

QUEM MORRE EM PORTUGAL E PORQUÊ

VIGANÇA

Aurélio Palha, Empresário abatido a tiro na rua

No Verão de 2007, um dos mais importantes empresários da noite portuense é atingido com um tiro na cabeça.

CIÚME

Maurício Levy , Assassinado com 21 facadas

O ex-director dos CTT foi vítima dos ciúmes de um amigo de longa data por causa da mulher. Esfaqueado até à morte.

RIXA

Eucride Varela, Morto com uma facada nas costas

Em Dezembro de 2008 o jovem, de 19 anos, é apanhado no meio de uma luta de bairros e acaba assassinado com uma facada nas costas.

ROUBO

Dulce Moreira, Estrangulada e degolada em casa

Ao tentar evitar um assalto dentro de uma casa, a agente imobiliária acabou por ser assassinada a sangue-frio. Ladrão roubou apenas duzentos euros.

QUEM MATA EM PORTUGAL?

SEXO DO HOMICIDA

Mulher 7,4%

Homem 92,6%

IDADE DO HOMICIDA

21 anos 9,9%

21 a 30 anos 24,8%

31 a 40 anos 38%

41 a 60 anos 22,3%

61 a 80 anos 5%

NACIONALIDADE

Português 59,5%

Estrangeiro 40,5%

RELAÇÃO VÍTIMA-AGRESSOR

Amigos 15,6%

Outro familiar 9,8%

Amorosa 25,4%

Conhecidos 32%

Desconhecidos 15,6%

Outra relação 1,6%

MOTIVAÇÃO DO CRIME

Desconhecidas 3,3%

Dívidas 4%

Crimes sexuais 4%

Rixas (grupos rivais) 5%

Tráfico de droga 5%

Discussão/agressão 37%

Roubo 15%

Violência doméstica 13%

Ciúme 8%

Vingança 5,7%

LOCAL DO CRIME

Via pública 54,6%

Domicílio (vítima e agressor vivem juntos) 18,5%

Domicílio da vítima 13,1%

Estabelecimentos comerciais 6,2%

Domicílio do agressor 3,8%

Veículo 3,8%

ARMA DO CRIME

Armas de fogo 41,7%

Armas brancas 31,1%

Vários dos anteriores 2,2%

Instrumento contundente 25%

HORA DO CRIME

Noite 41,4%

Tarde 30,9%

Madrugada 22,0%

Manhã 5,7%

FONTE: Estudos feitos com base numa amostra de 132 casos de homicídios ocorridos na dependência da PJ de Lisboa (2000/04)

Henrique Machado/M.P./J.S.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O hilariante diálogo entre Mirla e Boninho no confessionário do BBB9

Para o jornalismo esportivo


Nota dez para o poeta Ferreira Gullar

Moacir Japiassu (*)

Sou como o vento: roubei 
o coração de alguém 
que desconheço

(Nei Duclós in Olhos de Lata)


Nota dez para o poeta Ferreira Gullar
Doze entre treze leitores da coluna votaram no artigo que o considerado Ferreira Gullar, jornalista e poeta-maior, escreveu naFolha de S. Paulo, o qual abriga frases como estas:

MINHA GENTE, estou a cada dia mais perplexo com a performance do nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não que ele tenha mudado essencialmente; nada disso, ele se comporta assim desde o primeiro dia de governo: não desce do palanque.

Ele não se comporta como chefe de Estado. Fala sempre em termos pessoais, ou louvando-se a si mesmo sem qualquer constrangimento ou acusando alguém, seja a imprensa, seja a oposição, sejam as classes ricas, sejam os países ricos.

Estão todos contra os pobres, menos ele que, felizmente, assumiu o governo do Brasil para salvá-los, após quatro séculos de implacável perseguição. Do Descobrimento até 2003, ninguém sabe como o Brasil conseguiu sobreviver, crescer, chegar a ser a oitava economia do mundo, sem o Lula! Só pode ter sido por milagre ou qualquer outro fator inexplicável.

Leia no Blogstraquis a íntegra do artigo que deve ter provocado sesquipedal azia no presidente, se é que um assessor mais letrado o soletrou para Sua Excelência.

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Grande idéia
Como o considerado leitor está careca de saber, tem um promotor público (?) a vagar por aí, cujo propósito é ver os estádios de futebol livres das torcidas visitantes, para evitar brigas. Se jogarem São Paulo e Corinthians no Pacaembu, por exemplo, somente a torcida deste poderia assistir ao jogo.

Janistraquis considerou a idéia a coisa mais inteligente do mundo em todos os tempos, porém observou:

“Considerado, o que impediria os são-paulinos de cercar o estádio e esperar o final do jogo para o pau quebrar nas imediações?”.

É mesmo, nisso o tal promotor não pensou. 

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?????????????????
Janistraquis lavava uns pratos a escutar o noticiário da GloboNews, às 12h20 da terça, 17/2, quando escutou a apresentadora se referir a um “Centro de Interrogação”; aí virou-se para mim, que estava de cerca-lourenço para encarar umas aranhas:

“Considerado, não seria ‘Centro de Interrogatório’?”.

É, ficaria mais apropriado, creio.

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Ivo viu a bunda
O considerado Wander Cincarolli, professor aposentado em São Paulo, envia notícia segundo a qual tramita na Câmara um projeto de lei cujo objetivo é “proibir o uso de imagens eróticas, pornográficas ou obscenas no material escolar”. Wander não deixou barato:

“Que imagens são essas que o deputado mineiro Miguel Martini (PHS) viu? Isso ele não disse. 
Esses políticos, à falta do que fazer, ficam procurando besteiras capazes de lhes garantir alguma exposição na mídia.”

Segundo Janistraquis, ó professor, as escolas deveriam simplesmente ensinar a meninada a ler e escrever, não importa se o material escolar se refira àquele Ivo que viu a uva ou a dona Raimunda que mostrou a bunda...”

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Cueca e lingerie
O considerado Roldão Simas Filho, diretor de nossa sucursal no Planalto, de cujo banheiro, em trepando-se nas bordas do vaso sanitário, dá pra ver o ensaio do Bloco dos Puxa-sacos para o desfile de amanhã, com todos os foliões fantasiados de Lula, pois o Mestre Roldão despacha do seu bem-aparelhado escritório:

A revista Brasília em Dia da semana de 14 a 20 de fevereiro publica uma notícia na seção Empresas & Negócios (p. 33) sobre a terceira edição em Brasília, no próximo dia 17, do 'Dia Nacional da Roupa de Baixo' (The Brazilian Underwear Day), inspirado em evento similar que se realiza em agosto em Nova York, na Times Square desde 2003 . Trata-se de um desfile de moda destinado a valorizar a roupa de baixo feminina. Os modelos brasilienses vão desfilar pela cidade vestindo apenas cueca e lingerie, diz o texto.

O redator da matéria deve ser português e não entende nada de roupas íntimas das mulheres. Só em Portugal é que as calcinhas femininas também são chamadas de cuecas, aqui exclusivamente roupa masculina. E lingerie é o termo francês para toda a roupa de baixo usada pelas mulheres. A peça superior é o sutiã, antigamente chamada de porta-seios.

Janistraquis acha que o redator também não entende de mulher.

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Inhaca, bodum
O considerado Fábio José de Mello procurava luzes na internet, para melhor desempenhar seu trabalho na prefeitura de Descalvado (SP), quando encontrou este arremedo de lamparina travestido em manchetinha do Terra:

Vitor Belfort quer melhor de três com Fedor.
 
Fábio, porém, logo se recuperou do susto:

Fedor, considerado, não é aquele cheirinho catinguento; trata-se de Fedor Emilianenko, brutamontes russo que vai lutar com o brasileiro.

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Consumo pessoal
O considerado José Truda Júnior, que de seu minarete em Santa Teresa divisaria todas as chaminés do Rio, se o Rio tivesse as chaminés de Paris, e o minarete dominasse a paisagem de lá, se Montmartre tivesse minaretes, pois Truda esquivou-se dessa confusão dos diabos e enviou o seguinte título que veio do Blog do Noblat e  se enfumou de repente no Globo Online
 
FH quer descriminalizar maconha para consumo pessoal

É claro que todos os leitores inteligentes deram boas gargalhadas e Truda legendou a sua:

"Dá pra imaginar a gritaria da base de apoio se, no lugar de FH, estivesse a palavra Lula, né não?"

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Otimismo é isso
Depois do jogo de ontem em Teresina, Janistraquis fez questão de comemorar e até abriu uma garrafa de sidra de São Roque, tremendo exagero nestes tempos difíceis:

“Considerado, há anos não ganhávamos de 4 a 1 do Flamengo!!!”

Observei que se tratava do Flamengo do Piauí, mas ele nem se tocou:

“Flamengo é sempre Flamengo, como diz o hino deles; ganhamos de goleada e ponto final!”

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Licitação Brasileira
A piadinha percorre a internet, embora Janistraquis tenha certeza de que conhece o tal prefeito:
 
Um prefeito queria construir uma ponte e chamou três empreiteiros: um
japonês, um americano e um brasileiro.
 
- Faço por US$ 3 milhões - disse o japonês:
- Um pela mão-de-obra.
- Um pelo material.
- E um para meu lucro.
 
- Faço por US$ 6 milhões - propôs o americano:
- Dois pela mão-de-obra.
- Dois pelo material.
- E dois para mim... mas o serviço é de primeira!
 
- Faço por US$ 9 milhões - disse o brasileiro.
- Nove paus? Espantou-se o prefeito. Demais! Por quê?
- Três para mim.
- Três para você.
- E três para o japonês fazer a obra.
- Negócio fechado! Respondeu o prefeito.

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Sem vaselina...
A propósito daquele  cordel de Miguezim de Princesa, intitulado "Bolsa-vaselina" e enviado por um leitor de Várzea Grande (MT), cuja publicação foi aqui tão festejada, a coluna recebeu esta mensagem do considerado Claudio Humberto:

Saiu originalmente, caro amigo, no site www.claudiohumberto.com.br, em 23/jan/2009.

Janistraquis acusou o golpe:

"Pois é, considerado, e esta foi sem vaselina, hein?"

Sem vaselina nem KY.

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Nei Duclós
Na hora de cruzar o deserto, dobrado ao peso do alforge,  e no instante em que cascavéis armam o bote na fronteira da carne, ásperos cenários inspiram o poeta nascido e criado na liça de todos os dias. Leia no Blogstraquis a íntegra do poema que integra o livroPartimos de Manhã e cujo fragmento é a epígrafe da coluna.   

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Decisão
Se a licenciosidade partir definitivamente pra ignorância, Janistraquis pretende sair às ruas enfiado numa burka, para fugir dos credores. 

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O ano da reforma
O considerado artista mineiro José Romualdo Quintão envia estas sugestivas mudanças para 2009, que é o Ano da Reforma Ortográfica:

-- Em casos como AUTOESTIMA o hífen cai. Mas a sua é que não pode cair.

-- Em algumas palavras, o acento desaparece, como em FEIURA. Aliás, poderia desaparecer a palavra toda.

-- O acento também cai em IDEIA, só que dela a gente precisa. E muito!

-- O trema sumiu em todas as palavras, como em INCONSEQUÊNCIA, que também poderia sumir do mapa; assim, a gente ia viver com mais TRANQUILIDADE.

-- Mas nem tudo vai mudar. ABRAÇO continua igual. E quanto mais apertado, melhor. AMIZADE ainda é com "Z", como VIZINHO, FUTEBOLZINHO, BARZINHO.

-- Expressões como "EU TE AMO" , continuam precisando de ponto. Se for de exclamação, é PAIXÃO, que continua com "X", como ABACAXI, que, gostando ou não, a gente ainda vai ter alguns pra descascar.

-- SOLITÁRIO ainda tem acento, como SOLIDÁRIO, que muda só uma letra, mas faz enorme diferença.

-- CONSCIÊNCIA ainda é com SC, como SANTA CATARINA, que precisa tocar a VIDA para a frente.

-- E por falar em VIDA, essa muda o tempo todo e é por isso que emociona tanto!!!

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Cobras, cobrões
Um grupo de cobrões da biologia, que atua na Universidade da Pensilvânia (EUA), garante que uma reles minhoca de 10 centímetros de comprimento, encontrada em Barbados, aquela ilha do Caribe, é, na verdade, a menor serpente do mundo; a Associated Press, que espalhou a notícia mundo afora, não informou se é venenosa.

Janistraquis, que sempre mostrou o pau depois de matar a cobra, não acreditou; para ele, a menor cobra do mundo, e venenosa, ainda atende pelo nome de ACM Neto, agora corregedor da Câmara.

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Ah!, quello paese...
Num daqueles admiráveis filmes italianos do pós-guerra, apelidados de “neo-realistas” por quem entende de cinema, o ator de tantas e tantas comédias, Alberto Sordi, grita, depois dalguns tropeços na vida ordinária: “Paese di merda!!!

Ignoro o motivo pelo qual Janistraquis se lembrou da cena; certamente porque é inesquecível.

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Errei, sim!
“CRUZEIROS ETERNOS – Capa do caderno de Turismo da Folha de S. Paulo estampou esta manchete: Cruzeiros são quase perfeitos, mas acabam. Depois da leitura, Janistraquis era a imagem da decepção: ‘Considerado, sempre pensei que os cruzeiros durassem eternamente’, declarou, mais cabisbaixo do que o PC Farias.” (dezembro de 1992/janeiro de 1993)

Colaborem com a coluna, que é atualizada às quintas-feiras: Caixa Postal 067 – CEP 12530-970, Cunha (SP), ou japi.coluna@gmail.com.

(*) Paraibano, 66 anos de idade e 46 de profissão, é jornalista, escritor e torcedor do Vasco. Trabalhou, entre outros, no Correio de Minas, Última Hora, Jornal do Brasil, Pais&Filhos, Jornal da Tarde, Istoé, Veja, Placar, Elle. E foi editor-chefe do Fantástico. Criou os prêmios Líbero Badaró e Claudio Abramo. Também escreveu nove livros (dos quais três romances) e o mais recente é a seleção de crônicas intitulada “Carta a Uma Paixão Definitiva”.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A patética carta da destrambelhada


A solidão do poder

Recebi uma carta-desabafo da governadora Yeda Crusius e vou, confiando na tolerância da remetente, cometer a inconfidência de publicá-la: não achei justo que os leitores fossem privados dessas reflexões da nossa governante:

“Querido Paulo Sant’Ana. Bom dia!

E que lindo dia, o primeiro sem horário de verão deste ano.

Amo o horário de verão, o dia mais longo, a noite mais curta, o calor.

Amo tanta coisa...

Acordei com a garganta meio ‘pegada’, o corpo me indicando que ainda não consegui ‘pegar leve’.

Esta será uma mensagem para eu não adiar mais o que queria: te contar coisas escrevendo à mão, como é do meu tempo, o tempo do respeito, do selo na carta, do envelope chegando pelas mãos do carteiro, tão aguardado envelope, tão especial mensagem, tão pessoal ‘tua letra’, às vezes com um pingo de perfume lá em cima, na data, ou mesmo uma folha de alguma árvore ou flor da estação... Pessoal, como é esta mensagem, entenda.

Não tenho conseguido esse tempo. Então não vou mais adiar.

Como você tem acompanhado, não me permitem esse tempo.

Quando me perguntam ‘como você aguenta’ respondo de dentro do coração. Pois quando tomei em 2005 a decisão de buscar governar o Rio Grande foi porque havia:

uma ideia

um projeto

um grupo de pessoas afinadas

um Estado

um povo

uma política

uma boa política no tempo das tão más políticas.

A ideia continua viva, muito viva. O grupo de pessoas desafinou, desmanchou, quem sabe pelo tamanho do empreendimento e a dedicação absolutamente total e integral que exigia o projeto. Como você tanto acompanha, o projeto tem cara sim, é bonito, coletivo, construtivo, respeitoso, doador. O Estado é o nosso, esse Rio Grande que não se definiu logo ao nascer, se platino, se brasileiro, diferente. O povo é esse povo que amo, meio caudilha que sou, e a quem pude somar filhos e netos, infelizmente esses que terão que ver os cartazes dantescos de sua vó pregados em cada tapume onde fiquem pessoas paradas esperando ônibus. Como tiveram que ver meus filhos nos tempos da faculdade porque a mãe decidiu ir para a tribuna fazer política como ‘uma ingênua tucana’ que queria fazer a política da igualdade (a da bandeira, a do gênero) em Porto Alegre. Nos cartazes pregados nas paredes internas da UFRGS estava a foto e ‘traidora do povo’. Eles, meus filhos, se foram em agosto de 1996, viver em outras terras sem essa cultura que crescia por aqui, e que tanto prejudicou o Rio Grande.

Eu fiquei. Por uma ideia. Por uma intensa necessidade de comunicação, pela vida como ela é para cada um, por fazer política, que é bom fazer quando se tem ética, responsabilidade, sem medo da mudança, de estar à frente do batalhão, porque confio em cada dia, e vivo sem ficar na janela vendo a banda passar esperando a sorte, esperando a morte... como diz a música.

No giro pelo Brasil duas coisas me deixaram feliz: primeiro com o orgulho dos outros brasileiros porque o Rio Grande saiu das manchetes nacionais negativas, e a governadora, que eles conhecem antes de ser governadora, estar sorrindo, mostrando que o Estado já paga suas contas em dia, que deu a virada na situação que contradizia com o Rio Grande histórico e presente que eles conhecem. Segundo, porque a honestidade da Yeda que eles conhecem foi provada, olhado documento por documento, rastreado cheque por cheque, a casa é limpa!

Depois, uma dificuldade que se repete pois todos me perguntaram: por que tudo isso? Por que te batem tanto, ao ponto do massacre? Dificuldade para eu responder porque não é de meu feitio falar dos outros, mesmo que mereçam. Humanidade (a da bandeira) é coletiva mas também individual. Lembro-me da tua pergunta naquele Jornal do Almoço que, com tua sensibilidade, perguntavas o que era central: por que a senhora não fala deste ou daquele secretário? E eu te respondi: “São pessoas caídas, Paulo, pessoas caídas”. E quanta coisa já se fez, quanta vida já se viveu!

Só que até este momento, mesmo com o alucinante caráter deste nosso governo, vivi o que dois filmes retratam. A arte consegue dizer em duas horas o que uma vida inteira custou para criar. Sei que não temos tempo de ver filmes, tudo hoje na vida é VT, não filme, rápido, desmanchando no ar. Então te falo deles na esperança de que você os tenha visto quando passaram nos cinemas.

O primeiro é A Letra Escarlate. A mulher de que trata o filme teve que desfilar com a marca ‘A’ de adúltera pela aldeia onde vivia, porque se casou de novo, pois havia ficado ‘viúva’ até o marido aparecer de novo da floresta, depois de praticar maldades inomináveis. Ela desfilou, chorou, perdeu, com a infinita paciência que tem a mulher para entender como o ‘homem’ da nossa civilização age quando se trata de posse, poder e sexo. Ao final, tudo se esclareceu. E ela não estava amarga, não havia feito nada que considerasse errado durante todo aquele período de provação, e viveram na mesma aldeia depois do pedido de desculpas público, da restauração, do líder da mesma.

Considero a coletiva do Dr. Mauro Renner quando provou a idoneidade da casa como o ‘The End’ do meu filme. Pude tirar o colar da Letra Escarlate. E continuar governando o Rio Grande, eleita que fui para honrar compromissos e fazer a roda virar para a frente. O povo sentiu-se aliviado, a sombra carregada da dúvida, para os que seguem a política, foi afastada. Brilhou o sol de novo, a alegria podia ser mostrada à luz do dia. Este o 2008, o ano que terminou com Déficit Zero e a honestidade provada da governadora.

O segundo filme é mais recente O Escafandro e a Borboleta. Raras vezes me permito chorar no cinema. Mas nesse filme o fiz por muitas vezes. Pois é ele que me referencia durante esse período de governo, desde a famigerada Operação Rodin aos 10 meses de governo e uma derrota inacreditável na Assembleia do projeto de restauração do Estado, por todas as razões que não interessa aqui descrever mas que tem a ver com a tua pergunta naquele Jornal do Almoço. Eu fiquei no escafandro. De certa forma, estarei nele até que possa ter o produto final por aquela terapeuta e seu método de escrever o livro ditado pelo único pedaço do homem no escafandro que se movia: o olho.

E quando estiver escrito, poderei voar como a borboleta.

Arrisco que muito não seja percebido desta longa mensagem, Paulo. Se os filmes foram vistos então sim, muito será entendido. Mas não desisto, não vou entregar prus ôme de jeito nenhum, amigo e cumpanhêro.

E para te dizer da minha admiração, da minha companhia através das tuas colunas (TV não vejo mais e rádio também não ouço, foi demais nesse período, um pouco de proteção criei), sempre, do meu amor pela vida que te inclui de modo afirmativo e de tanto tempo. Nunca dou de ombros. Só entenda o escafandro. Não me deram nenhuma folga até hoje. Esta é da decisão de escrever, é num lindo domingo, uma mensagem pessoal – entenda, não deve ser pública.

E para te presentear com o que não aconteceu, vou te remeter o Manifesto da Marca do Governo Yeda. Não é nem será público. Por isso, vai com selo. Creio que o Luciano do GAD é um dos que, como a fisioterapeuta do livro, entendeu. Mas por enquanto não há condições de mérito para eu dar esse upgrade nem ao meu governo nem ao Rio Grande que não quer ser sacudido a cada dia com uma ‘crise de governo’.

Algum dia mais adiante sim.

Um braço muito afetuoso
(ass.) Yeda Crusius, governadora do Estado”.

e a inevitável resposta


A SOLIDÃO DA SALA DE AULA

Juremir Machado da Silva - Correio do Povo

Prezado jornalista: meu nome é Claudete. Sou professora. Tomei conhecimento, graças a uma amiga, da carta da governadora publicada na imprensa. Confesso que chorei muito. Como é triste a solidão do poder! Eu até me lembrei de uma situação que vivi lá por outubro. Eu entrei no banheiro da escola e encontrei uma faxineira aos prantos. Tentei consolar a pobre. Ela me mostrou o contracheque dela. Comecei a chorar também. Mostrei o meu. Caímos abraçadas sobre um vaso e choramos como duas terneiras desmamadas (sou da Região da Campanha). Ficamos ali, na solidão do banheiro, sentindo cheiro de xixi e de água sanitária. Eu me sentia meio heroína de novela das 8h ou de romance do Paulo Coelho: na tampa da privada, solitárias, nós nos sentamos e choramos. Que tristeza!
Fiquei com pena da governadora. Deve ser terrível a solidão num palácio. Na sala de aula, eu também me sentia muito solitária, embora, depois da 'enturmação', tivesse mais aluno que passageiro no Surb no final da tarde. Comecei a pensar num livro maravilhoso da Clarice Lispector, 'A Hora da Estrela', e, sem refletir, fui até a biblioteca da escola pegar um exemplar. Que cabeça a minha! A escola não tem biblioteca. Saí aturdida e tropecei num gari ainda mais solitário do que eu. Era um gari especial, muito culto, que me contou, sem mais nem menos, as suas leituras. Andava lendo os 'Doze Trabalhos de Hércules'. Era fanático por um desses trabalhos, quando Hércules limpou sozinho, num dia, os currais de Áugias, que não eram limpos havia 30 anos e, com seus 3 mil bois, fediam como Copacabana depois do show dos Rolling Stones (fui de ônibus para o Rio de Janeiro). O gari se via no lugar de Hércules e tinha a sua filosofia na ponta da língua: a população se comporta como os bois de Áugias. O pobre sentia-se tão solitário na sua labuta.
Nada, bem entendido, que possa ser comparado à solidão de uma governadora no exercício do poder. A carta da governadora abriu um clarão na minha mente. Percebi o quanto tenho sido mesquinha e pessimista. Decidi mudar o curso da minha existência. Não vou ler mais autores cínicos como Michel Houellebecq. Nem a sua coluna, senhor jornalista. De agora em diante, serei construtiva e positiva. A minha solidão pode ser enorme, mas os meus ombros não precisam suportar a terrível carga da responsabilidade de um governante. Já imaginaram ter de conviver com tantos políticos hipócritas e, se o senador Jarbas Vasconcelos não estiver mentindo, com tantos peemedebistas em busca de cargos e com tantos petistas oportunistas!? Ainda bem que no Rio Grande do Sul tudo é diferente e até nossa corrupção é acidente de percurso. 
Enfim, como mulher, fiquei emocionada, tocada mesmo, sensibilizada, né?, com a autenticidade da governadora. Quanto sofrimento! Quanta melancolia! Que solidão! Até parecia García Márquez, não com cem, mas dois anos de solidão que valem quase o mesmo, faltando ainda quase dois de governo, sem contar mais quatro anos de solidão se a reeleição vier. A solidão do poder é tamanha que gera dependência, e os governantes aceitam sacrificar-se por um segundo mandato, sonhando com um terceiro. Depois da carta da governadora, juro, só vou ler 'O Pequeno Príncipe' e 'Fernão Capelo Gaivota'. Afinal, 'longe é um lugar que não existe'. Só existe a solidão do poder.

juremir@correiodopovo.com.br

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Circo da Notícia


AUTOR & LEITOR

Isto também faz parte da notícia

Por Carlos Brickmann - Observatório da Imprensa


Trata-se de um colunista importante, de um jornal importante. Um leitor lhe escreveu, educadamente, para expor sua opinião contrária à do jornalista a respeito da acumulação de reservas pelo Banco Central. O colunista criticava o volume das reservas; o leitor dizia que, agora (em função da crise econômica), se constatou que a acumulação de divisas valeu a pena. E elogiava, de passagem, a seriedade da equipe do Banco Central, criticada habitualmente pelo colunista.

A resposta veio duríssima: na opinião do jornalista, as reservas eram desnecessárias e caras. "E estúpidas, como as ratazanas neoliberais que infestam o BC". A opinião sobre as reservas, concorde-se ou não com ela, é prerrogativa do colunista; ele tem direito a achar o que quiser, e a dizer o que acha. Mas o insulto aos profissionais do BC, mesmo em carta privada, exigiria uma argumentação muito mais sólida do que o simples xingamento.

O leitor voltou a escrever, dizendo que a resposta o impressionara, por demonstrar falta de isenção e, em vez de avaliar os resultados da política do Banco Central, rotular seus profissionais "de forma leviana e preconceituosa".

O colunista voltou à carga, dizendo que o leitor certamente não era jornalista. Se fosse, estaria morrendo de dar risada com essa "isenção".

O jornalista deve ser honesto, deve buscar as várias faces da história. Dificilmente, embora sua tarefa seja procurar a isenção, conseguirá ser isento (tem opiniões, tem formação, tem idiossincrasias). Mas daí a dar risada da isenção vai uma enorme distância. E um jornalista, acima de tudo, deve evitar a burrice: por que agredir um leitor que lhe propõe civilizadamente uma troca de idéias?



Cadê a carne?

E onde é que o colunista foi buscar as informações acima? A resposta segue no padrão habitual dos meios de comunicação, hoje em dia: teve acesso a elas.



Lemos, adeus

João Baptista Lemos, 82 anos, 63 de jornalismo, morreu agora em fevereiro. Uma das lendas vivas da profissão, Lemos começou a trabalhar na imprensa comunista, logo depois da Segunda Guerra Mundial. Parou por uns tempos e foi jogar futebol no Radium de Mococa – que, em São Paulo, tinha a fama de pior time do estado. Goleiro é profissão difícil até em Seleção; no Radium, era impossível. Voltou então a São Paulo e ao jornalismo. Foi um dos redatores-chefes do lendário Grande Jornal Falado Tupi, dirigiu o jornalismo da TV Excelsior, foi chefe de Reportagem da Folha de S.Paulo, passou um longo tempo no grande Jornal do Brasil. Criou várias gerações de jornalistas (entre eles, por exemplo, José Nêumanne Pinto). Lemos deixou seis filhas, doze netos, uma bisneta.



Para ir atrás

Luís Nassif, em seu blog, dá pistas sobre alguns brasileiros que perderam dinheiro no Caso Madoff:

"O diretor de CRM de um grande portal, por exemplo, perdeu US$ 3.015.431,98 com Zeus-Madoff. Um ex-dirigente do Banco Santos tinha US$ 1.073.435,35 em sua conta. O diretor executivo de TI de uma empresa média de informática tinha fabulosos US$ 13.270.567,51. E uma funcionária de TI da Secretaria da Fazenda de São Paulo US$ 565.129,15."

É visível que Nassif sabe do que está falando, mas não tem como, neste momento, conseguir documentação sobre os casos. Cabe aos meios de comunicação, com equipes de reportagem e amplos recursos, ir atrás do tema e desvelar o que for possível. Será complicado: gente que tem esse volume de dinheiro aplicado no exterior tem também influência e conhecimentos, e fará tudo para impedir que suas histórias sejam divulgadas. Além disso, é muito provável que boa parte das aplicações não tenha sido declarada – outra confusão. Mais uma confusão? Uma funcionária pública, ou terceirizada, cheia de dinheiro – de onde saiu? Mas é um assunto que não pode ser jogado para debaixo do tapete.



O mundo como ele é

Marcos Hummel, grande jornalista, um dos melhores apresentadores de nossa TV, traz-nos uma história real, que mostra como os fatos podem ser apresentados das mais diversas maneiras.

Judy Wallman, pesquisadora americana de genealogia, montou sua árvore genealógica, e descobriu que seu tio-bisavô Remus Reid era também ancestral do senador Harry Reid, democrata de Nevada. O parente comum tinha sido condenado e enforcado por roubo de cavalos em Montana, em 1889. A única foto disponível de Remus Reid era a de seu enforcamento. No verso da foto, a inscrição:

"Remus Reid, ladrão de cavalos, preso na prisão do Território de Montana em 1885, fugiu em 1887, roubou o trem Montana Flyer por seis vezes. Localizado e preso por detetives da Agência Pinkerton, foi condenado e enforcado em 1889".

Judy Wallman enviou e-mail ao senador Harry Reid pedindo informações sobre o parente comum, sem mencionar o que havia descoberto. Recebeu a seguinte mensagem:

"Remus Reid foi um famoso vaqueiro no Território de Montana. Seu império comercial cresceu a ponto de incluir a aquisição de valiosos exemplares de cavalos de raça, bem como um íntimo e profícuo relacionamento com a Ferrovia de Montana. A partir de 1883 dedicou vários anos de sua vida ao serviço do governo estadual. Depois disso, licenciou-se para reiniciar seu relacionamento com a Ferrovia. Em 1887, foi o elemento fundamental em grande investigação conduzida pela famosa Agência de Detetives Pinkerton. Em 1889 veio a falecer durante importante cerimônia cívica realizada em sua homenagem, quando a plataforma sobre a qual estava cedeu logo após seu discurso."



Quando o governo acerta

É uma regra não-escrita, mas real: deve-se evitar ao máximo falar bem de governos, nos meios de comunicação. Há outra regra não-escrita, tão real quanto a primeira: notícia só é notícia quando ocorre na capital. Fora da capital, só se for mesmo uma notícia muito, muito ruim, tragédia pra ninguém botar defeito.

Talvez isso explique porque uma excelente notícia, por todos os pontos de vista, foi minimizada pela grande imprensa: porque mostra que uma boa administração, de uma cidade que não é capital (embora tenha o melhor Índice de Desenvolvimento Humano do país), pode resolver problemas que, na maior parte do Brasil, ainda são crônicos.

A cidade é São Caetano do Sul, na Grande São Paulo; seu prefeito, José Auricchio, do PTB, se reelegeu com quase 80% dos votos válidos, em grande parte por ter colocado a saúde pública para funcionar. A notícia: o sistema de saúde do município oferece cirurgia de redução do estômago para pessoas com obesidade mórbida, tudo de graça (em serviços particulares, só o médico cobra mais de R$ 10 mil, a que se acrescem auxiliar, anestesista, remédios e hospital).

A cirurgia de estômago gratuita não é para todos: apenas para quem corre risco de vida pelo excesso de peso. Quem quiser operar-se por questões estéticas não será atendido. O tratamento não se limita à operação: o paciente é acompanhado por uma equipe multidisciplinar, com médico, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, até que adquira novos hábitos de vida. E não é preciso pedir, nem esperar: a porta de entrada do sistema, a UBS, Unidade Básica de Saúde, pode indicar a operação mesmo a pessoas que não saibam que a oportunidade existe, desde que seja o caso de cirurgia.

E a grande imprensa? Parece mais preocupada em saber quem vai para qual partido. Deve haver boas notícias desse tipo pelo país afora que a gente não fica sabendo, porque os meios de comunicação não se preocupam com elas. Quem se importa com a vida e a morte dos consumidores de notícias?



Como...

A notícia sobre o assassínio da amante de um cavalheiro saiu num jornal importante (e é um colar de pedras preciosas):

"Segundo o delegado, o suspeito se mostrou arrependido do que fez (...) Apesar disso, o suspeito foi indiciado por homicídio qualificado por motivo fútil (...) O corpo da vítima ficou cinco dias no freezer sem que ninguém percebesse, embora várias pessoas tenham participado de um culto evangélico na casa".

1. "O suspeito se mostrou arrependido do que fez" – ou seja, ele mesmo já informou que não é suspeito, é o autor.

2. "Apesar disso, o suspeito foi indiciado (...)" – que coisa terrível! Mesmo estando arrependido, só porque matou a amante foi indiciado!

3. O que é que tem a ver o culto evangélico na casa com o corpo no freezer?



...é...

De um portal noticioso ligado a um grande jornal:

** "Eutanásia: médico diz que italiana está `ótima´"

Trata-se do caso Eluana, na Itália, em que a Justiça autorizou os médicos a desligar as máquinas que mantinham a moça viva, em estado vegetativo, há 17 anos. O título foi dado pouco antes da morte de Eluana.



...mesmo?

De um grande jornal, respeitado em todo o país:

** "Ex-espião russo aposta: EUA vão se desintegrar"

Logo abaixo, o subtítulo:

** "Confira a teoria de Igor Panarin, que previu colapso da Rússia em 1998"

Previsão assim não deve ser difícil, considerando-se que a União Soviética se desfez em 1989.



E eu com isso?

O caro colega fica se preocupando com coisas bobas – por exemplo, como é que um sujeito que só fala espanhol fica preso sete meses numa cadeia de São Paulo, dizendo que é mineiro, e os carcereiros acreditam – enquanto há fatos muito mais palpitantes acontecendo no mundo. Um bom exemplo:

** "Rua ganha nome de `Bulevar Consolo´após moradores encontrarem vibradores"

É o "Dildo Boulevard", em Darwin, na Austrália. E não é apelido, não: parece que a mudança de nome é oficial.

** "Luciano Huck, Angélica e filhos flagrados em Angra"

Que estariam fazendo para motivar o flagrante?

** "Taís Araújo passeia com os pais em shopping"

** "Reynaldo Gianecchini e Marcos Mion curtem balada juntos"

E não é nada do que você está pensando, caro colega. Já pensou que tremenda notícia, se isso que está em sua cabeça maliciosa fosse verdade?

** "Beyoncé vai a evento beneficente sem fazer as unhas"

** "Tailândia promove primeira corrida internacional de camas"



O grande título

Ah, a pressão do espaço! É isso que provoca títulos como este:

** "Viúva da Mega-Sena presta depoimento"

Ou este:

** "Viúva do 11 de Setembro está entre as vítimas"

Lembrando certa campanha eleitoral, das mais rumorosas, o 11 de Setembro e a Mega-Sena tinham filhos? Eram casados?

Ah, a pressão do tempo! É isso que provoca títulos como este:

** "Polícia vai investigar de queda de elevador em SP"

Ou como este, o grande título da semana:

** "Nossa Caixa R$ 4 bi a compra de usados"

Legal! Isso quer dizer que há mais crédito? Que o crédito foi reduzido? Que os preços baixaram? Que os preços subiram?

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O derretimento da calota do jornalismo



Como salvar os jornais (e o jornalismo)

Walter Isaacson * - No O Estado de S.Paulo

Durante os últimos meses, a crise no jornalismo atingiu proporções de derretimento. Agora é possível contemplar num futuro próximo uma época em que algumas grandes cidades não terão mais seu próprio jornal e as revistas e redes de notícias empregarão apenas um punhado de repórteres.

Há, no entanto, um fato chocante e algo curioso a respeito desta crise. Os jornais têm hoje mais leitores do que nunca. O seu conteúdo, assim como o das revistas de notícias e de outros produtores do jornalismo tradicional, é mais popular do que jamais foi - até mesmo (na verdade, especialmente) entre o público jovem.

O problema é que um número cada vez menor de leitores está pagando pelo que lê. As organizações jornalísticas estão distribuindo gratuita e alegremente as suas notícias. De acordo com um estudo realizado pelo Centro de Pesquisas Pew, no ano passado houve uma virada marcante: nos Estados Unidos, as notícias gratuitas disponíveis na internet foram mais procuradas do que os jornais e revistas pagos que publicavam o mesmo conteúdo. Quem pode se espantar com isso? Até mesmo eu, um antigo viciado em publicações impressas, deixei de assinar o New York Times, porque se o jornal não acha justo cobrar pelo acesso ao seu conteúdo, eu me sentiria um tolo pagando por ele.

Esse modelo comercial não faz sentido. Talvez esse sistema tenha dado a impressão de fazer sentido quando a publicidade eletrônica estava prosperando e qualquer editor parcialmente consciente podia fingir fazer parte do clã que "compreendia" as mudanças da época ao entoar o mantra de que "o futuro" estava na publicidade na internet. Mas quando a publicidade eletrônica entrou em declínio no último trimestre de 2008, o futuro do jornalismo parecia ser gratuito assim como um penhasco íngreme é o futuro de um bando de lemingues.

Tradicionalmente, jornais e revistas contam com três fontes de receita: as vendas nas bancas, as assinaturas e a publicidade. O novo modelo de negócios fia-se apenas na terceira dessas fontes. O resultado é uma cadeira de um pé só, de equilíbrio sempre tênue, por mais forte que esse pé seja. Quando o seu apoio fraqueja - o que incontáveis editores viram ocorrer como resultado da recessão - a cadeira não pode se manter de pé.

Nas últimas semanas, testemunhamos o fechamento completo de uma série de jornais locais, vimos a Tribune Company (dona do Los Angeles Times) pedir concordata, a Lee Enterprises ser retirada da lista da Bolsa de Valores de Nova York e o anúncio de uma nova rodada de demissões de fim de ano na Gannet e em outras empresas, reduzindo sua força de trabalho em 10% ou mais.

Henry Luce, cofundador da revista Time, desdenhou da noção das publicações gratuitas que dependem apenas da receita proveniente da publicidade. Ele chamou esta fórmula de "moralmente repugnante" e também de "economicamente inviável e derrotista". Isso porque ele acreditava que o bom jornalismo exigia que o compromisso primário de uma publicação fosse com os seus leitores, e não com os seus anunciantes. Num modelo em que a única fonte de renda passa a ser a receita publicitária, o incentivo é perverso. Ele é também inviável e derrotista porque, afinal, o elo de uma publicação com o público leitor vai definhar se ela não sentir que a sua renda é diretamente dependente desse público. Os jornais acabarão produzindo vários cadernos especiais sobre decoração e jardinagem, coisa que desejam os anunciantes, e terão de se livrar dos cadernos de resenhas literárias, como já fizeram o Los Angeles Times e o Washington Post.

O dr. Johnson dizia que, quando um homem sabe que será enforcado em questão de duas semanas, sua mente se mostra extraordinariamente concentrada. Estamos testemunhando esta quinzena final do jornalismo e suspeito que 2009 será lembrado como o ano em que as organizações jornalísticas perceberam que novas rodadas de cortes de gastos não podem afastar indefinidamente o carrasco.

Uma opção de sobrevivência experimentada por algumas publicações, como o Christian Science Monitor e a Detroit Free Press, é eliminar ou reduzir drasticamente as suas edições impressas e se concentrar em vez disso nas suas páginas gratuitas disponíveis na internet. Para muitas publicações e consumidores, isso faz sentido. Essa será, como é de se esperar, uma das tendências para o futuro. Outras podem tentar suportar o longo inverno esperando que a concorrência pereça e rezando para que possam abocanhar uma fatia do mercado publicitário grande o bastante para viabilizar a sua existência enquanto sites gratuitos. Tudo bem. Precisamos de uma variedade de estratégias concorrentes.

Entretanto, essas abordagens diferentes ainda obrigam uma publicação a depender totalmente dos seus anunciantes. Assim, espero que nesses anos vejamos o alvorecer de uma ousada e antiga ideia que oferecerá uma outra opção para algumas organizações jornalísticas: serem pagas pelos usuários em função dos serviços prestados e do jornalismo produzido. Se isso ocorrer, a implosão da publicidade em 2008 trará consigo o benefício de ter criado uma estratégia de negócios que permita às publicações o estabelecimento de um vínculo mais forte com os seus leitores.

Esta noção de cobrar pelo conteúdo é uma ideia antiga não apenas porque jornais e revistas fazem isso há mais de quatro séculos. É também algo que eles costumavam fazer no início da era das publicações online, no começo da década de 1990. Naquela época havia apenas um bando de empresas provedoras de serviços online, como Prodigy, CompuServe, Delphi e AOL. Elas costumavam cobrar dos usuários em função dos minutos que os mesmos passavam online e naturalmente era do seu interesse manter estes usuários acessando a rede pelo maior tempo possível. Como resultado, o conteúdo de qualidade era valorizado. Quando eu era encarregado do recém-criado departamento de mídia online da Time naquela época, nós recebíamos todos os anos propostas da AOL e da CompuServe; certo ano, a oferta pela nossa revista e portal de notícias chegou a US$ 1 milhão.

Então surgiram as ferramentas que tornaram mais fácil o acesso direto à internet dos usuários e das publicações, que se libertaram dos jardins murados criados pelos provedores de acesso. Havia diversos protocolos para a publicação e a pesquisa de conteúdo na internet. Seus nomes eram cômicos, como Gopher e Archie, outros, prosaicos, como Protocolo de Transferência de Arquivos e World Wide Web. Lembro-me de uma conversa, com Louis Rossetto, na época editor da revista Wired, em que discutimos como levar nossas revistas diretamente para a internet - sem passar pela AOL ou CompuServe - e concluímos que a melhor forma era usar a linguagem de marcação de hipertexto e os protocolos de transferência que definiam a World Wide Web. As revistas Wired e Time mergulharam na rede na mesma semana de 1994 e, em questão de um ano, a maioria das demais publicações tinha feito o mesmo. Inventamos coisas como o anúncio em formato de banner, que trouxe consigo um aumento na renda publicitária, e por isso não nos preocupamos muito em impor taxas de assinatura. Mas o resultado final foi que deixamos de ser pagos em função do nosso conteúdo.

Uma das ironias da história é que o hipertexto - uma estrutura de links para outras páginas da rede a partir do texto de uma página original - foi inventado por Ted Nelson no início da década de 1960 com o objetivo de viabilizar a disponibilização de conteúdo em troca de micropagamentos. Ele queria garantir que as pessoas que criavam bons textos fossem recompensadas pelos mesmos. Na sua visão, todos os links de uma página facilitariam o acúmulo de pequenos pagamentos automáticos correspondentes a qualquer conteúdo que fosse acessado. Em vez disso, a rede se viu apanhada pelo ethos que determina que a informação deseja ser livre. Outros mais inteligentes do que nós tinham evitado essa armadilha.

Por exemplo, quando Bill Gates percebeu, em 1976, que programadores amadores estavam compartilhando livremente o Altair BASIC, um código que ele e seus colegas tinham desenvolvido, ele enviou uma carta aberta aos membros do Clube da Computação Caseira pedindo a eles que parassem. "Vocês estão prejudicando a autoria de bons programas de computador", queixou-se ele. "Quem pode se dar ao luxo de oferecer um serviço profissional gratuitamente?" Os dólares fáceis provenientes da publicidade na internet no final da década de 1990 incentivaram jornais e revistas a disponibilizar gratuitamente nas suas páginas eletrônicas todo o seu conteúdo, acrescido de blogs e outros recursos atraentes. Mas a maior parte do dinheiro vindo da publicidade online acabou nas mãos de grupos que não criavam de fato muito conteúdo, especialmente conteúdo jornalístico, mas em vez disso pegavam carona nele: ferramentas de busca, portais e demais reunidores de material alheio que compilavam suas páginas a partir de links e redirecionadores.

Outro grupo que se beneficia desse sistema no qual o conteúdo, o jornalismo e as informações são todos oferecidos gratuitamente é o dos provedores de acesso à internet, que incluem as grandes empresas de telefonia e televisão a cabo. Eles cobram dos seus clientes entre US$ 20 e US$ 30 por mês em troca do acesso aos tesouros do conteúdo gratuito e dos serviços disponíveis na rede. Como resultado, não é do interesse deles facilitar para os criadores de conteúdo o desenvolvimento de maneiras através das quais esses poderiam cobrar pelo material que produzem. Assim, temos um mundo no qual as empresas de telefonia acostumaram os adolescentes a pagar até US$ 0,20 por mensagem de texto no celular, mas parece tecnológica e psicologicamente impossível conseguir que as pessoas se disponham a pagar US$ 0,10 por uma revista, jornal ou transmissão jornalística.

Atualmente, alguns jornais, dos quais o mais notável é o Wall Street Journal, cobram pelo acesso às suas edições eletrônicas por meio da exigência de uma assinatura mensal. Quando Rupert Murdoch adquiriu a publicação, ele comentou publicamente a possibilidade de abrir mão da taxa de assinatura. Mas Murdoch é, acima de tudo, um executivo esperto.

Ele analisou o lado econômico da questão e decidiu que era loucura abrir mão de tamanha fonte de renda - e isso foi antes de o mercado da publicidade eletrônica começar a se contrair. Agora essa jogada parece realmente inteligente. As assinaturas pagas da página do jornal aumentaram mais de 7% durante um ano de 2008 extremamente desanimador.

Além disso, ele assustou o New York Times a ponto de o jornal abrir mão das suas próprias tentativas pouco enérgicas de aumentar a renda proveniente das assinaturas, que tinham como base a premissa (na minha opinião equivocada) de que a cobrança seria em função da experiência do jornal e não das suas grandes reportagens. (Nota do autor: Após a publicação deste artigo o New York Times negou veementemente que o seu raciocínio tenha sido influenciado por considerações externas: eu aceito a explicação deles.) Mas eu não acredito que as assinaturas possam resolver o problema - e não acho que elas sejam a única maneira de cobrar pelo acesso ao conteúdo. Uma pessoa que deseja acessar a edição do dia de um jornal ou que é levada a um artigo interessante por meio de um link dificilmente vai pagar o preço de uma assinatura e se submeter às inconveniências dos desajeitados sistemas de pagamento atuais. Acredito que a chave para atrair renda por meio dos serviços oferecidos na rede seja estabelecer um sistema de micropagamento tão simplificado quanto aquele empregado pelo iTunes. Precisamos de algo como moedas digitais ou um sistema semelhante a um bilhete único ou uma carteira eletrônica - um sistema de interface extremamente simples que permita, por meio de um clique, as aquisições casuais de jornais, revistas, artigos, acesso a blogs ou vídeos, ao preço de US$ 0,05, US$ 0,10, US$ 0,50 ou seja quanto for que o seu autor deseje cobrar.

É verdade que faz 15 anos que a internet está repleta de empresas de micropagamento falidas. Quem se lembra dos nomes de empresas como Flooz, Beenz, CyberCash, Bitpass, Peppercoin e DigiCash? Quase ninguém. Muito já se escreveu a respeito da impossibilidade desse conceito funcionar por causa dos custos da má tecnologia e da transação mental.

Mas as coisas mudaram. "Com os jornais entrando em situação falimentar mesmo enquanto seu público leitor aumenta, a ameaça não atinge apenas as empresas donas dos jornais, mas também a própria notícia", escreveu no mês passado o sensato colunista do New York Times David Carr num texto que defendia a ideia do conteúdo pago. Isso cria uma necessidade que pode se tornar a mãe da invenção.

Além disso, dois dos nossos mais criativos inventores digitais mostraram que um modelo pague-conforme-o-uso pode dar certo quando seu funcionamento é suficientemente facilitado: Steve Jobs conseguiu fazer com que os consumidores de música (possivelmente os mais relutantes de todos) aceitassem a ideia de pagar US$ 0,99 por música ao invés de assassinar a indústria por meio do compartilhamento de arquivos, e Jeff Bezos mostrou, com o seu Kindle, que os consumidores estão dispostos a adquirir versões eletrônicas de livros, revistas e jornais se o sistema de compra for simples.

Quais são as opções de pagamento eletrônico disponíveis atualmente? A PayPal é a mais famosa delas, mas o seu funcionamento é desajeitado e os seus custos por transação são altos demais para compras impulsivas de valor inferior a um dólar. Os usuários do Facebook estão adotando sistemas como o Spare Change, que permite a eles utilizar suas contas do serviço PayPal e os seus cartões de crédito para obter dinheiro digital que pode ser gasto em pequenas quantidades. Entre os serviços similares estão o Bee-Tokens e o Tipjoy. Usuários do Twitter têm o Twitpay, que é um serviço de micropagamento para o aplicativo de micromensagens. Os apreciadores de jogos eletrônicos têm sua própria moeda digital que pode ser usada nas compras impulsivas feitas durante as seções de jogos estilo RPG online. PaymentOne e Paymo estão tentando viabilizar um sistema de micropagamento no qual a despesa seja cobrada na conta telefônica. E aqueles que estão acostumados a utilizar sistemas de transporte para ir e vir do trabalho estão acostumados com artefatos como o E-ZPass (semelhante ao Bilhete Único e ao Sem Parar empregado nos pedágios brasileiros), que são debitados automaticamente quando o usuário passa por uma cabine de pedágio na rodovia.

Se eu fosse o administrador do New York Times, do Wall Street Journal ou do Los Angeles Times, assumiria a vanguarda ao criar meu próprio sistema de troco digital ou Bilhete Único de micropagamento e tentaria fazer com que outros criadores de conteúdo utilizassem o mesmo sistema.

Ou então tentaria trabalhar com uma empresa como Amazon, PayPal, Google, Apple ou Microsoft numa parceria com o objetivo de criar um tal sistema. Eu começaria ao mesmo tempo a aceitar os melhores sistemas de micropagamento existentes. Assim como as lojas aceitam diferentes cartões de crédito, os sites deveriam aceitar diferentes sistemas de micropagamento.

O sistema ideal de micropagamento seria tão fácil de usar que o internauta mal pensaria antes de efetuar uma compra impulsiva. Não vejo necessidade de uma cobrança item por item. Na verdade, a ausência de cobranças individualizadas circulando por aí seria especialmente atraente para aqueles que adquirem coisas um pouco mais extravagantes do que o Wall Street Journal. Aqueles que desejassem uma cobrança individualizada poderiam fazer uso de um serviço pago para tal finalidade.

Dentro de um sistema de micropagamento, um jornal poderia decidir cobrar US$ 0,10 por um artigo ou US$ 0,50 pela íntegra da edição do dia ou US$ 2 por um mês de acesso ao conteúdo disponível por meio da internet. Alguns internautas poderiam se recusar a pagar o preço, mas acredito que a maioria deles aceitaria a cobrança se o valor fosse baixo e o processo, simples. Os assinantes da versão física do jornal poderiam acessar a versão eletrônica de graça. É claro que não deve haver conluio entre as empresas de mídia e os concorrentes devem ter a liberdade de cobrar o preço que quiserem, ou mesmo de não cobrar nada.

O sistema poderia ser empregado para todos os tipos de mídia: revistas e blogs, jogos e aplicativos, transmissões televisivas e vídeos amadores, imagens pornográficas e monografias programáticas, reportagens de cidadãos jornalistas, receitas de grandes chefs e músicas de bandas alternativas. Isso não apenas garantiria a sobrevivência das formas tradicionais de veiculação de mídia como também estimularia os cidadãos jornalistas e os blogueiros. Eles enriqueceram muito o nosso universo de informações e ideias, mas a maioria deles não ganha muito dinheiro com isso. Como resultado, tendem a insistir na atividade para satisfazer o próprio ego ou como forma de cumprir algum dever cívico e costumam vir da elite privilegiada. Um sistema de micropagamento permitiria que as pessoas normais, do tipo que precisa se preocupar em sustentar a família e pagar as contas, complementassem sua renda por meio do jornalismo cidadão, um trabalho valorizado pela comunidade.

Cobrar pelo conteúdo é apenas uma das muitas opções que podem desempenhar um papel no sustento de um conjunto diverso de mídias nesse país. Muitos jornais e revistas - e blogueiros e cidadãos jornalistas - decidiriam pela manutenção da sua gratuidade, ou poderiam depender de um sistema de gorjetas para doações voluntárias, ou do subsídio de organizações de interesse público ou proprietários ricos. Acho ótimo.

Quanto maior o número de modelos comerciais concorrentes, mais saudável será a composição de mídias e veículos diferentes.

Mas um sistema de micropagamento também ofereceria uma outra opção.

Jornais que avaliassem o valor da sua produção diária na casa de US$ 0,10 - e cujos leitores concordassem com este valor - poderiam acabar cobrando US$ 0,10, aumentando assim sua chance de sobreviver e até de prosperar. As pessoas trabalhando num jornal como esse sairiam de suas camas todos os dias motivadas pelo digno incentivo de produzir um jornal que os leitores considerassem valer ao menos US$ 0,10.

Aqueles que acreditam que todo o conteúdo deve ser gratuito devem refletir sobre quem abriria sucursais em Bagdá ou voaria até Ruanda para trabalhar como freelance dentro de um tal sistema.

Durante as últimas semanas, por exemplo, estive muito interessado nos acontecimentos na Faixa de Gaza e como esses afetariam o status do Hamas. Procurei as reportagens inteligentes e matizadas de Ethan Bronner, do New York Times, de Griff Witte e Jonathan Finer, do Washington Post, e de Ashraf Khalil, do Los Angeles Times. Todos eles são muito informados sobre a região. Têm a coragem e a engenhosidade de chegar até a Cidade de Gaza e as muitas vilas mais ao sul. Eu valorizo isso enquanto leitor e acredito que o mundo como um todo valorize o fato de os seus jornais estarem dispostos a pagar seus salários e suas despesas - e contarem com os recursos necessários para tal finalidade - para que eles possam satisfazer nosso desejo por informação independente.

Assim, espero que 2009 seja o ano em que alguns bons jornais e outros criadores de conteúdo valioso comecem a cobrar pelo acesso ao mesmo.

Digo isso não porque sou "malvado" - a descrição que minha filha emprega contra aqueles que desejam cobrar pelo conteúdo na rede, pelas músicas e pelos aplicativos. Ao contrário, digo isso porque minha filha é muito criativa, e quando ficar mais velha, quero que ela ganhe dinheiro produzindo coisas realmente interessantes em vez de me procurar em busca de dinheiro ou decidir que faz mais sentido virar uma investidora financeira.

Também digo isso porque amo o jornalismo. Acredito no seu valor para a sociedade e acho que ele deve ser valorizado pelos seus consumidores. Acho que precisamos dele para preservar a saúde das nossas comunidades locais, da nossa democracia nacional e do nosso mundo.

Nessa nova era digital, a definição do jornalismo está mudando. Não se trata mais de algo que é escrito na pedra e concedido ao público pelos altos sacerdotes da profissão e pelas principais empresas de mídia. Ele pode assumir formas que sejam, felizmente, mais pessoais e opinativas e cheias de atitude. O jornalismo tem a habilidade de ser mais interativo, colaborativo, "wikipédico", produzido pelos leitores e de borrar a distinção entre o jornalista sagrado e o cidadão consumidor.

Mas certas características definidoras do jornalismo não deveriam ser mudadas. Esses valores centrais permanecem no núcleo do jornalismo do qual nós necessitamos enquanto comunidade humana. O jornalismo precisa tentar preservar sua credibilidade. Seus praticantes precisam ter a mente aberta e ser honestos conforme reúnem e transmitem informações, seja da Faixa de Gaza ou da prefeitura local. Nós, leitores e consumidores, precisamos poder confiar neles - precisamos saber que eles estão tentando servir a nós e não a algum objetivo secreto. Eles precisam ter como objetivo a verdade. "A ideia de que haja algo como a verdade foi muito mal falada nos últimos 30 anos", disse Kurt Andersen na conferência realizada no Instituto Aspen no último verão, "mas ainda acho que a busca pela verdade é aquilo que deve mover os jornalistas".

Por quê? Porque o verdadeiro objetivo do bom jornalismo deve ser o serviço ao leitor.

O que me traz de volta à minha esperança de que este seja o ano no qual os micropagamentos se tornarão aceitos e os leitores começarão a pagar pelo jornalismo que desejam. Assim, os jornalistas se sentirão dependentes principalmente dos seus leitores, em vez de procurar cada vez mais agradar aos anunciantes e contemplar outros objetivos. A cobrança pelo conteúdo obriga os jornalistas a manter a disciplina: eles precisam produzir material que as pessoas de fato considerem valioso. Suspeito que afinal descobriremos o caráter libertador desta obrigação. A necessidade de ser valorizada pelo público - servir a ele antes de mais nada, sem depender unicamente da renda publicitária - permitirá à mídia orientar-se novamente pelos princípios originais do jornalismo.

*O autor foi editor da revista Time e atualmente é presidente do Instituto Aspen. Publicou recentemente "Einstein: sua vida e seu universo". Este artigo é baseado em palestra do autor na Universidade de Riverside Califórnia. A publicação foi autorizada pelo Instituto Aspen.