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Essa história do atropelador de ciclistas dá o que pensar sobre a humanidade. Não sobre a natureza humana, como falam alguns, mas justamente o oposto: sobre a cultura humana. Ou uma das suas possibilidades: a cultura do carro. É verdade que a atitude boçal do sujeito remete à frase de Charles Darwin sobre o chacal que dorme em cada um de nós. Quando ele acorda sob a forma de motorista, é um horror. Não insultemos, no entanto, os chacais inutilmente. A cultura do carro leva a manifestações bizarras do tipo: “Não vamos nos precipitar no julgamento. De repente, os ciclistas estavam batendo no carro. Sem querer, justificar, é claro”, Já, evidentemente, justificando, arranjando atenuantes ou pretextos “aceitáveis”.Trocando em miúdos, é coisa de sociedade primitiva, nos vários sentidos da palavra. Lembra, por exemplo, certos cultos de consumo do excedente produzido e de ostentação de certas culturas ditas indígenas. Em rituais com o kula e o potlatch (corram ao google), porém, há dom e contradom, ou seja, troca, reciprocidade, festa, generosidade. É um dando que se recebe positivo em que cada um quer dar mais que o outro (parecem certos carnavais ou baile funk) para mostrar riqueza e desprendimento. É menos a lógica do consumir que a do se consumir, entregar, dar tudo. Na cultura do carrão inútil, contudo, a festa é calculada para ter efeitos de marketing e produzir resultados. As ruas pertencem aos poderosos em seus veículos blindados e de vidro escuro.
Quanto maior a capacidade de consumo de combustível e o poder destrutivo em caso de atropelamento, maior a capacidade distintiva. Aí o cara vê um monte de bicicletas na sua frente e pensa: que fazem essas coisas raquíticas na frente do meu bólido (se soubesse o que é bólido)? Com a cara de cachorro louco do Kadhafi, o macho típico da cultura do carrão acelera, atropela, passa sinal fechado e, em caso de multa, vocifera contra a terrível, maldosa e ardilosa “indústria da multa”. O futuro pertence ao transporte coletivo. Os adoradores de carrões talvez tenham de comprar só correntões de ouro.
Postado por Juremir Machado da Silva - 02/03/2011 10:51
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