Nada justifica. Psicopata motorizado, uma das formas mais agressivas dessa doença. A cultura do carro chegou ao apogeu do ridículo com os utilitários 4x4 para uso dentro de grandes cidades com ruas apertadas, trânsito lento e espaço ínfimo para estacionamento. Para que serve um camionetão desses no centro de Porto Alegre ou de São Paulo? Para impressionar maria gasolina, humilhar machos concorrentes sem a mesma bitola e queimar dinheiro excedente, ou, em certos casos, lavar, sob a forma de distinção social. Em bom português, a cultura do carro é própria de sociedades individualistas e “marrentas”. Lembra um pouco aqueles traficantes do Morro do Alemão filmados com gigantescos correntões de ouro no pescoço cuja única finalidade é ostentatória: exibe o poder do usuário, o que o diferencia dos outros, num lugar onde seu dinheiro já não pode adquirir outro objeto de classe.
Trocando em miúdos, é coisa de sociedade primitiva, nos vários sentidos da palavra. Lembra, por exemplo, certos cultos de consumo do excedente produzido e de ostentação de certas culturas ditas indígenas. Em rituais com o kula e o potlatch (corram ao google), porém, há dom e contradom, ou seja, troca, reciprocidade, festa, generosidade. É um dando que se recebe positivo em que cada um quer dar mais que o outro (parecem certos carnavais ou baile funk) para mostrar riqueza e desprendimento. É menos a lógica do consumir que a do se consumir, entregar, dar tudo. Na cultura do carrão inútil, contudo, a festa é calculada para ter efeitos de marketing e produzir resultados. As ruas pertencem aos poderosos em seus veículos blindados e de vidro escuro.
Quanto maior a capacidade de consumo de combustível e o poder destrutivo em caso de atropelamento, maior a capacidade distintiva. Aí o cara vê um monte de bicicletas na sua frente e pensa: que fazem essas coisas raquíticas na frente do meu bólido (se soubesse o que é bólido)? Com a cara de cachorro louco do Kadhafi, o macho típico da cultura do carrão acelera, atropela, passa sinal fechado e, em caso de multa, vocifera contra a terrível, maldosa e ardilosa “indústria da multa”. O futuro pertence ao transporte coletivo. Os adoradores de carrões talvez tenham de comprar só correntões de ouro.
Postado por Juremir Machado da Silva - 02/03/2011 10:51
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