segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
O pingo no i
O DEVER DA CONTRAMÃO
JMS - Correio do Povo
O papel de intelectual é ter a coragem de andar na contramão. Mas não na contramão da história. Isso é um clichê válido e complexo de aplicar. Intelectual orgânico, ao contrário, defende uma ideologia sem jamais criticá-la. Foi assim com Jean-Paul Sartre voltando da União Soviética e tecendo elogios à liberdade que reinaria por lá. É assim com intelectuais israelenses que nunca encontram falhas nas políticas do seu país. Justificam sempre. O ministro Tarso Genro foi criticado quando errou, no caso da entrega dos atletas cubanos, e mais ainda quando acertou, ao conceder asilo político ao italiano Cesare Battisti. Tarso Genro merecia elogios.
O lugar-comum limita-se a dizer que Tarso Genro está protegendo um terrorista. Battisti participou dos movimentos armados italianos da década de 1970. Foi condenado à revelia por quatro assassinatos que não cometeu. As provas contra ele nunca passaram da delação premiada de Pierre Mutti, terrorista arrependido, cuja pena diminuía na medida em que entregava companheiros. Aquilo que não sabia ou não existia, Mutti inventou. Transformou Battisti em bode expiatório. Vários intelectuais renomados do mundo sabem disso. O francês Bernard-Henri Lévy, convidado do ciclo de conferências Fronteira do Pensamento, aproveitou para ir a Brasília visitar Battisti e interceder por ele junto ao ministro Tarso Genro. Fernando Gabeira também defendeu Battisti.
A escritora francesa Fred Vargas apresentou provas da inocência de Cesare Battisti. O caso é assim: o advogado de Battisti e de outros militantes aproveitou três folhas em branco com assinaturas do cliente e escreveu cartas terminando de incriminá-lo. A sequência dos fatos revela que Battisti já havia abandonado o movimento quando os crimes aconteceram. Bernard-Henri Lévy, que está longe de ser um marxista, vê uma armação da extrema-direita italiana atual contra o ex-terrorista completando uma vingança anterior da extrema-esquerda. Battisti declarou que nunca matou e poderia jurar isso olhando nos olhos dos parentes das vítimas. O exame grafológico das cartas supostamente enviadas por Battisti em 1982 provaram que elas eram falsas e com uma assinatura antiga do acusado. Durante algum tempo, Battisti não pôde declarar a sua inocência para não ser considerado um traidor pelos companheiros de luta.
Lévy e Vargas não duvidam de que se um dia Battisti voltar a uma prisão italiana, será executado pelos inimigos. Dar asilo político a Battisti não significa legitimar sua participação num movimento ilegal, mas dar-lhe proteção diante da fragilidade dos elementos que determinaram a sua condenação. Battisti é o símbolo de uma época que a turma de Berlusconi gostaria de explorar politicamente. Tarso Genro agiu como intelectual ao conceder o benefício da dúvida ao prisioneiro Battisti. Errou ao ter cedido às pressões dos amigos cubanos no episódio dos atletas devolvidos para a ilha de Fidel. Quem tem posição monolítica, sempre de um lado só, não é intelectual, mas adepto de uma doutrina. Pode ser que exista uma lógica de esquerda clássica nas atitudes de Tarso Genro, entregando aos comunistas dois atletas que pretendiam abandonar o barco e concedendo asilo a um esquerdista dos velhos tempos. Prefiro imaginar que Tarso Genro errou num caso e, como homem inteligente e aberto, redimiu-se no outro, considerando as informações de intelectuais de horizontes ideológicos muito diversos.
juremir@correiodopovo.com.br
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3 comentários:
Fico contente, Juremir, de te ler e de saber tua opinião sobre o caso, já que com Fred Vargas e Lungaretti faço parte do grupo que defendeu Battisti, no Brasil.
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Agradeço, em mtrasado, o seu livro que me ofereceu faz alguns anos. e lhe desejo um ótimo 2009, grande abraço, Rui Martins.
Ou seja, você está afirmando que o Brasil deve afrontar a Itália, dizendo que o veredito deles não vale nada, e que nós sabemos mais sobre o crime ocorrido naquele país do que eles mesmos? Que a nossa opinião vale muito mais que as investigações e julgamento feitos por eles, a respeito de um crime cometido lá? É isso?
E depois ainda teremos a cara-de-pau de pedir a extradição de algum banqueiro que seja condenado a algum crime aqui no Brasil e se refugie lá?
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