terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Um doutor rendimento


Teses de doutoramento à venda por 50 mil euros

CARLA AGUIAR - Diário de Notícias - Lisboa

A massificação dos doutoramentos, que triplicaram em dez anos, abriu a porta ao negócio e à falsificação. Vendem-se teses por milhares de euros e alguns são plágios. Só pontualmente é que os professores dão conta de que se trata de cópias, facilitadas pelas bases de dados na Internet
Quanto vale uma tese de doutoramento? Se para muitos é condição para preservar um emprego na carreira académica e, para outros, uma arma no cada vez mais competitivo mercado de trabalho, há quem tenha na "produção" ou falsificação de teses uma actividade lucrativa. O preço cobrado por uma tese de doutoramento - que abre portas na administração pública, política e empresas - pode chegar aos 50 mil euros, segundo disse ao DN um professor universitário. Mas se a exigência e a bolsa forem limitadas, há preços mais baixos.

O negócio vale tanto para teses de mestrado ou doutoramento como para trabalhos de faculdade, chegando até a ser publicitado na internet. O fenómeno é conhecido de professores arguentes de várias universidades ouvidos pelo DN, que pontualmente são confrontados directamente com casos de plágio ou, não o sendo, conhecem situações de quem admitiu ter comprado a tese.

Uma professora de Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Évora viu-se confrontada com uma cena embaraçosa: enquanto membro do júri de uma prova de doutoramento naquela área de estudos, assistiu à confrontação da doutoranda com uma acusação de plágio, quando esta se preparava para defender a tese. Lavada em lágrimas, a doutoranda acabaria por admitir ter comprado a tese. Pensava ter adquirido um original, mas venderam-lhe um produto repescado da Internet.

Outro caso semelhante ocorreu com uma professora do Instituto de Estudos Jornalísticos, em Coimbra, que, enquanto arguente, acabaria por rejeitar a defesa da tese de uma doutoranda, por se ter apercebido de uma situação de plágio. Os exemplos sucedem-se, embora sejam tratados com a máxima discrição dentro do meio académico, uma vez que estas situações acabam por expor também os próprios orientadores de tese.

A Internet é a fonte de informação, por excelência, tanto para quem plagia, a ver se pega, como para quem faz disso um negócio. Não só estão disponíveis trabalhos portugueses, como se podem encontrar teses realizadas em qualquer parte do mundo.

Desde 2002, existe o Registo Nacional de Teses de Doutoramento em Curso, uma base de dados online, de livre acesso, onde se podem consultar todos os trabalhos de investigação realizados ou reconhecidos pelas universidades portuguesas.

A base de dados é gerida pelo Observatório da Ciência e Tecnologia, sob tutela do respectivo ministério, mas não tem mecanismos de alerta para trabalhos que sejam demasiado parecidos. Fonte oficial do Ministério do Ensino Superior rejeitou, em declarações ao DN, qualquer responsabilidade na prevenção de plágios, remetendo-a para o júri, que "deve estar a par da investigação nas suas áreas".

Cristina Ponte, professora de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa, diz ter conhecimento da existência de plágios, embora nunca tenha sido pessoalmente confrontada com um caso nas muitas provas de doutoramento de que é arguente. "É impossível eliminar o risco de um plágio passar, sobretudo em teses de 700 páginas e quando tudo está disponível online", diz aquela investigadora, acrescentando: "Mas há alguns critérios a seguir como a capacidade de argumentação do doutorando, a criatividade e a existência ou não de trabalho de campo."

Em todo caso, Cristina Ponte lembra que o plágio não é necessariamente uma questão nova: "Antes da Internet, as teses também estavam disponíveis na Biblioteca Nacional e não havia tantos mecanismos como agora para os detectar."

Opinião idêntica tem Francisco Ferreira, professor da Faculdade de Ciência e Tecnologia da UNL, que aponta a existência de bases de dados científicas, que permitem pesquisar por palavras-chave.

Algumas universidades, como a Lusófona, acabam de adoptar um programa informático, o Ethorus, que facilita a detecção de plágios. Mas, ao contrário dos códigos de universidades americanas, em que o plágio pode dar lugar a expulsão, em Portugal, a penalização é discreta. É-se convidado a retirar os trabalhos, podendo ser reapresentados depois. E tudo morre no silêncio das cumplicidades do meio académico.

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