quarta-feira, 30 de julho de 2008
Circo da notícia
MARCAÇÃO SOB PRESSÃO
A imprensa e a memória de todos
Por Carlos Brickmann - Observatório da Imprensa
Dizem as colunas noticiosas que o ministro da Justiça, Tarso Genro, comentou que a próxima operação da Polícia Federal fará tremer a República. Ótimo: é preciso reprimir a ilegalidade (e sem cair na tentação de, ao fazê-lo, cometer outras ilegalidades).
Este é o papel da Polícia Federal (e, em seguida, da Justiça). O papel do jornalista é, além de cobrir o último escândalo, cuidar para que os escândalos mais antigos não sejam esquecidos. Uma nova operação que fará tremer a República não pode fazer com que a Operação Satiagraha seja esquecida; da mesma forma que a Operação Satiagraha não deve nos levar a esquecer a Hurricane, as duas Kaspar, a Farol da Colina, a Dilúvio e tantas outras.
A procuradora da República Ana Lúcia Amaral, em comentário à coluna anterior, que criticava a imprensa por ter esquecido o processo em que figuravam uma socialite e um empresário do setor de roupas, diz que o caso está em curso, na 2ª Vara de Guarulhos, aguardando sentença. E completa: "Não é porque a imprensa não dá conta de acompanhar que deixou de existir".
A procuradora tem toda a razão – ou melhor, quase toda: acha que uma nota em que a imprensa é cobrada por esquecer do caso é uma justificativa à omissão da imprensa. Não é: basta reler o texto.
"Há quatro possibilidades: a) eles foram absolvidos (e, nesse caso, a imprensa falhou lamentavelmente, ao não noticiar a absolvição); b) a acusação não se sustentava (e o erro foi dos que anunciaram com toda a pompa a operação e as pessoas nela atingidas); c) o inquérito está em alguma gaveta (erro da imprensa, que não cobra, e permite que o caso seja esquecido); d) apesar do tempo que já se passou, o inquérito está tramitando normalmente, sem que ninguém o atrase ou apresse (mais uma vez, falta a cobertura da imprensa)".
Aliás, a nota não se refere ao caso da Daslu, como achou a procuradora (o erro certamente é deste colunista, que não foi claro), e sim à Operação Dilúvio. Mas poderia se referir à Operação Chacal, ou à Operação Sanguessuga. Sepultadas por novos escândalos, a imprensa simplesmente parou de noticiá-las.
Carimbo no papel
Desde 1994, quando o Plano Real tornou mais clara a importância da taxa básica de juros, o noticiário é igualzinho: subiu o juro, vêm declarações absolutamente iguais às da alta anterior, recolhidas das mesmas fontes. Será impossível buscar fontes novas? Será mais impossível ainda buscar fontes novas capazes de analisar a alta dos juros com outras palavras? Juros pornográficos, obscenos, siderais, planetários, gigantescos, extravagantes, sesquipedais, os mais altos do mundo (serão mesmo?), absurdos, vergonhosos, escandalosos, nefastos, corrosivos – tudo bem, isso a gente já sabe. Que tal fazer uma forcinha e descobrir como é que a elevação da taxa de juros funciona, na opinião de tantos outros especialistas, para conter a inflação?
Queda para cima
A maior novidade em noticiário sobre juros veio no título de um grande jornal:
** "Apostas de corte de 0,5 e 0,75 ponto"
O texto esclarecia que o corte nos juros, na verdade, era uma elevação.
Adeus, Mingão
Jornalista que passa a vida na Redação não ganha notoriedade. Mas, sem ele, o veículo seria ainda mais bagunçado do que já é.
Na semana passada, morreu um grande jornalista de Redação: Domingos Ferreira Alves, Mingão, 75 anos, um dos melhores editores de primeira página do país. Domingos foi editor de madrugada da Folha de S.Paulo (acompanhava as notícias e decidia quando o jornal teria a edição modificada), depois editor de primeira página da Folha de S.Paulo, da Folha da Tarde e do Agora. Ficou no mesmo emprego, o único de sua vida, por 54 anos. E, na "cozinha" do jornal, contribuiu poderosamente para o sucesso dos jornais do grupo.
Mingão chegou, com seu próprio nome, a ser personagem de Maurício de Souza – outro "foca" que passou por suas mãos. Fez sucesso, um personagem cheio de dúvidas (afinal de contas, qual seria a manchete? Quais as outras notícias de primeira página?), mas pediu a Maurício que o tirasse dos quadrinhos: Domingos não gostava de nada que o levasse à fama.
Fará falta. Mais falta do que os que buscam a notoriedade a todo custo.
Cautela no texto
Tanto se falou que os meios de comunicação aceitavam as acusações como verdade, sem comprová-las, que novas normas acabaram entrando em vigor. Por exemplo, ninguém é acusado de fazer alguma coisa: é acusado de "supostamente" fazer alguma coisa. Pode ficar engraçado: "Cunhado de menina morta em suposto tiroteio diz que policiais tiveram intenção de matar". Tiroteio é tiroteio. Que significa "suposto tiroteio"? Será que a intenção era outra, dizer que possivelmente o tiroteio foi simulado para encobrir um assassínio sem troca de tiros? No caso, por que não escrever claramente as alternativas?
Como...
Frase de uma empresária sobre o novo imposto do cheque, que está no Congresso: "Um imposto que nunca recebemos e que somos taxados de receber, a sociedade está se unindo para lutar contra um imposto que nunca foi usado para nada". Pelo menos a autora deve saber o que quis dizer com esta frase.
...é...
** "Cedae encontra gato em restaurante no centro do Rio"
E que tem a Companhia de Águas e Esgotos do Rio a ver com animais em restaurantes? Nada: o "gato" é um desvio de água por fora do hidrômetro.
...mesmo?
Do noticiário on line de um grande jornal:
** "Cervo de seis pernas tem um dos rabos amputado após ataque de cães"
OK, o cervo tinha seis pernas. E quantos rabos?
E eu com isso?
Faz tempo, faz tempo. Quem dirigia o Jornal do Brasil era Alberto Dines. Este colunista era redator da sucursal de São Paulo e aguardava o sinal verde do Rio para desligar o telex e ir embora para casa.
Houve um pequeno incêndio no centro de São Paulo, mas os bombeiros chegaram rápido e já estavam apagando o fogo. A notícia foi imediatamente enviada ao JB. Faltou água, o incêndio cresceu, o depósito de plásticos de uma grande loja pegou fogo, foi um inferno. E as microondas, único sistema de comunicação rápida da época, pifaram. Às duas da manhã, sem alternativa, passamos um telegrama via Western para o jornal. Claro, não chegou a tempo. O JB publicou uma notícia curtinha, escondida, sobre um pequeno incêndio rapidamente dominado.
Ah, se fosse hoje! Com todos os recursos de tecnologia, sabemos no mesmo instante que, "após irmão, pagodeiro termina namoro que começou na TV" (deve ter sentido, deve ter sentido); que "Nívea Stelmann compra móveis com o filho no Leblon"; e que "gêmeos de Jolie e Pitt já têm certidão de nascimento" – como se os nossos filhos, caro colega, também não a tivessem.
Há muita coisa finíssima:
** "Edu Guedes descobre sexo do primeiro filho"
** "À beira da estrada, pavão consegue carona em picape"
** "Gwyneth Paltrow aparece com novo corte de cabelo"
** "Lucília Diniz arremata cueca de Edson Celulari em leilão"
Aliás, esta notícia já está superada. Lucília quer devolver a cueca a Celulari, já que só a arrematou para contribuir com a causa.
O grande título
Esta é a semana dos títulos incompletos
** "Moradores participam de missa homem morto em tiroteio"
** "Telefônica atende vítimas apagão; veja locais"
Ou completos até demais:
** "Rio: tiroteio faz mata um e fere dois na Rocinha"
Ou inadvertidamente engraçados:
** "Artista revela nave russa para viagem tripulada à Lula"
Mas há um absolutamente invencível:
** "Greenpeace fala sobre transgênicos no habbo"
Realmente, o pessoal anda escrevendo coisas que antigamente seriam vetadas.
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