sábado, 23 de maio de 2009

O perigo das canetas



CANETAS E MENTIRAS

Juremir Machado da Silva - Correio do Povo

Alcy Cheuiche é um grande contador de histórias. Um escritor. Fomos encontrá-lo em Caçapava do Sul, na feira do livro que ele ajuda Paulo Vanolin e sua equipe a organizar. Um belo evento no Salão Paroquial da segunda capital farroupilha. Em pouco tempo, Alcy nos contou ótimas histórias, desde a princesa Isabel, que se achava feia e botava a língua para si mesma quando passava na frente do espelho, o que me levou a ter, enfim, mais respeito por ela, até as aventuras dele mesmo na França, em Montevidéu, em São Paulo ou na Alemanha. Alcy tem estrada e obra. Sabe divertir, encantar e mesclar temas intelectuais e literários com boas anedotas da vida cotidiana, deste nosso mundo engraçado de todo dia.
Contou-me que tinha, como quase todo mundo, mania de ficar com as canetas que lhe emprestavam. É um hábito que a gente adquire sem pensar. Eu mesmo nunca compro caneta e sempre tenho pelo menos três. Nunca são as mesmas por mais de uma semana. Chego a me perguntar se elas aparecem por geração espontânea. Quis fazer análise para saber se sou cleptomaníaco ou apenas ladrão de canetas. Nunca se sabe. Pode ser grave. Canetas vão e vêm num sistema de compensação automático e muito eficaz. Ninguém reclama. Salvo quem perde sua, sei lá, Montblanc. Eu já tive uma. Perdi. Não lamento. Acho canetas de grife uma breguice. Um dia Alcy chegou em casa com uma caneta azul. Maria Berenice, a mulher dele, pediu, em algum momento, que ele lhe alcançasse justamente uma caneta. A vida é assim. Cria as situações por nós. Não há como fugir. O negócio é sair bem do aperto. Se for possível. Alcy sacou do bolso a sua última aquisição. Foi aí que percebeu a tragédia anunciada. Ia dar problema. Ah, ia! Era inevitável.
Estava escrito na bela caneta azul: Motel Veludo. Uau! Assim mesmo: Motel Veludo. Só faltava ser Motel Veludo Azul. Um moralista deve estar pensando: bem-feito, quem manda pegar a caneta dos outros. Melhor não reagir assim. Sejamos realistas. Pode acontecer com qualquer um. Nas melhores famílias. Afinal, todo mundo, cedo ou tarde, levado por um desejo incontido, cede à tentação e pega a caneta de alguém. Segundo Alcy, Maria Berenice botou a boca no trombone. Normal. Mulher é mulher. Não? Teria restado a ele uma linha de defesa bastante sutil:
– Tu podes desconfiar da minha fidelidade, não da minha inteligência. Eu nunca ia pegar uma caneta de motel.
Faz sentido. Acreditar já é outra coisa. Maria Berenice, se compreendi bem, não se lembrava da história. Ou deu outra versão. Fiquei pensando: onde será o Motel Veludo? De quem Alcy teria pego a caneta do Motel Veludo? Agora, entre nós, a questão principal é outra: a troco de quê um motel tem caneta com nome de motel? Mais do que isso, para que motel tem caneta? Será que alguém vai para o motel escrever? O quê? Cartas de amor? No ritmo em que as coisas andam, a vítima de uma caneta de motel poderia entrar na Justiça por perdas e danos. Aviso de utilidade pública: confira sua caneta antes de entrar em casa.

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