segunda-feira, 28 de abril de 2008

Direto do amanhã


Carta do futuro

por Sabrina Passos*

Eu já sonhei em viajar para muitos lugares. Quando era criança e assistia à TV Cultura, queria ir para o Mundo da Lua. Depois, cresci um pouquinho e queria viajar para Pasárgada. Não rolou. Hoje, peço para a Fada do Dente passagem só de ida para a Terra do Nunca.

Sem direção ou caminho, decidi que viajar pelo mundo podia me colocar, eventualmente, em alguns lugares. Depois de me perder pela costa leste dos EUA por quase dois anos - e descobrir que viajar é muito mais que despedida e bagagem - viajei no tempo.

Sim. Parem os sinais de trânsito. Que os poodles e beagles parem de latir e comecem a miar. Que toda lasagna verde do planeta se transforme em chocolate meio amargo.

Eu viajei no tempo! Cruzar a linha internacional que pula a cerca do dia deu um frio na barriga e uma lombeira no corpo. Saí do hemisfério Norte, pulei para o do Sul e nadei direto para o lado de cá, depois do meridiano que divide o mundo em dois.

Estou na Oceania. Estou no seu amanhã - e você no meu ontem.
Quando eu tinha 7 anos dizia para minha mãe que já tinha quase 14. A minha lógica era perfeita e tão complexa que nem com meio cinqüentenário hoje consigo explicar. Mas depois dos 14 eu quis mesmo que o tempo parasse. Nunca quis crescer. Nunca quis completar 18 para tirar a carteira de motorista ou então 21 para poder tirar crédito do sistema penitenciário. Nunca quis prever o futuro. Muito menos viver nele.

Aqui no amanhã, não tem coco na praia. Tem milho, mas chamam de doce e anunciam como se fosse grande coisa de que o tal não é transgênico. Aqui no amanhã as crianças precisam usar chapéu se querem correr no pátio da escola no recreio. Prevenção.

Aqui eles não usam capacete ou qualquer proteção ao andar de bicicleta ou skate. Vai ver o futuro deixou as pessoas mais cabeças-duras ou menos suscetíveis à queda. Nesse futuro, vaso sanitário tem duas descargas. Estacionar o carro por uma hora custa quase o preço da prestação de um par de patins. Água é artigo de luxo. Custa mais que Coca-cola. E Coca-cola continua a mesma.

Aqui no futuro tem bicho que pula com filhote na barriga. Até parece com o passado. Tem gente falando uma língua engraçada, juram que é inglês. Prefiro meu "espanhol com sotaque francês". Calma, ainda falo português.

Aqui no futuro se dirige do lado contrário do carro. E não bastasse, do lado contrário da rua. Pedágio e drive-thru nunca foram tão desafiantes como no futuro.
Aqui, nada de semáforo. A onda é uma tal de rotatória. Bola para mim. Balão para um amigo do Paraná. Quem vem pela direita, tem o direito (ai que medo dessa frase).

Meu futuro está acontecendo na Austrália. Na última sexta, o país parou pra comemorar o Anzac Day, espécie de feriado militar que lembra os soldados mortos na primeira luta dos australianos e dos vizinhos da Nova Zelândia na I Guerra Mundial, contra os turcos e por Constantinopla - hoje Istambul. Aqui no futuro, as pessoas ainda param um dia para lembrar a ignorância do passado. E para não encarar a própria falência, se permitem beber até cair e jogar até perder. Normal. Vício do passado.

Sempre rolou uma crítica aqui fora pelo tanto de feriados que temos no Brasil. Inveja de gringo, claro. De volta ao hemisfério Sul, de volta aos feriados tropicais. Durante todo dia 25, os pubs e bares ficaram abertos e os jogos de azar, permitidos. Na hora do jantar, na sexta, café-da-manhã pra vocês, depois da minha aula de surf (eu sonhei que surfava no futuro e bati a cabeça na quina da cama), sentei num restaurante na beira de Bonde Beach para comer peixe com batata-frita, típico vício do passado. O agito da galera na rua me lembrou uma noite boa em Balneário Camboriú ou Piçarras ou qualquer boa praia do Brasil. Aqui no futuro, o clima parece com o do Brasil. As pessoas parecem com as do Brasil. A comida, melhor que a dos EUA - mas nem aos pés da do Brasil. Esse futuro potencializa minha vontade de passado.

Minha nostalgia pelo simples.
Minha devoção aos pequenos detalhes.
Esse futuro é legal. Toda casa tem teto, janela, chão e ar-condicionado central. Todo mundo tem a cara maquiada e o corpo sarado (menos eu e a mulher que atende no meu barzinho preferido, na esquina de baixo).
As horas têm menos minutos.
E os minutos menos segundos.

Aqui no futuro, as moedas têm muito valor. As boas maneiras também, ufa.
O futuro me dá saudade de casa. Agora mesmo, minha segunda-feira já acabou. A sua está só começando - mas eu bem que trocava de lugar. O futuro assusta um pouco. E só para avisar, a lua vai estar do jeito que eu gosto hoje à noite. No futuro, ela reflete no Pacífico.

*Sabrina Passos é jornalista, mora no futuro há três semanas e sente saudade do passado (Americano e brasileiro). Além do pão caseiro da vó e do colo da mãe, acha que o futuro ficaria bem mais legal com um bom rock do Rio Grande do Sul. É colunista do blog www.poracaso.com e pretende voltar ao passado logo. Antes, vai carimbar o passaporte pelo velho mundo. Jeito bom de recuperar o tempo 'perdido'.

4 comentários:

Ricardo Daniel Treis disse...

Encharcado de sentimento, praticamente bebí o texto (e tá bem gostoso).

Também tenho vontade de ir pro futuro viu? Só pra criar um paradoxo que seria, quando voltasse pro passado, tivesse saudade do amanhã.

Beijão Sabrina, espero que (como a anterior foi) essa seja a melhor experiência da sua vida. Divirta-se por mim, que tô enraizado aqui na cidade dos morros.

Ricardo

Unknown disse...

Mesmo sabendo pouco, boa parte sei desse teu passado Eua X Brasil e sei como doi viver no futuro (Kangooo).

Nostalgia viajar tantas milhas em tao pouco tempo de vida? Sim, como voce mesma disse, sonhava com isso, todos sonhavamos... E agora que estamos ai...

Da medo, da saudades, mas ao mesmo tempo cria esperancas.
Lembro que sempre me diziam: "Deixa teu passado guardado na memoria (para poder resgatar sempre que desejar), viva teu presente (porque eh sempre um presente) e o futuro? Ninguem sabe..."

No teu caso... Procure teu presente dentro do futuro... Sei que parece estranho, mas nao custa tentar. E quando a sentir falta... O teu passado sempre vai estar aqui te esperando...sempre...

Mais que um enorme beijo de saudades... Nos vemos por ai, em algum lugar, porque eh promessa.

Franny

Unknown disse...

Que coisa linda...a menina que escreveu e o que ela escreve!

Fico pensando: ela é mesmo minha?
Sim, essa é menina que, quando tinha 7 queria ter 14 e depois só queria ter 12 e agora viaja no tempo...

Amo mais que a distancia!

Unknown disse...

perfeita como sempre.