sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Estocolmo às avessas
Enviado por Ricardo Noblat - 17.10.2008| 4h35m
A sensacional história da refém devolvida ao cativeiro
Naiara, antes de ser devolvida ao sequestrador. Foto: Diário de S. Paulo
A Polícia Militar de Santo André, na região do ABC paulista, está psicologicamente abalada, decorridas mais de 90 horas do sequestro de Heloá Cristina Pimental da Silva, de 15 anos de idade, mantida refém em seu próprio apartamento pelo ex-namorado Lindemberg Fernando Alves, de 22 anos.
- É muita pressão. Já não aguento mais - admitiu há pouco um dos oficiais encarregados do caso.
Antes que perguntem, adianto que o dito oficial é casado e tem filhos.)
Eloá havia terminado há algum tempo o namoro com Lindemberg. Inconformado, ele invadiu seu apartamento armado com dois revólveres e portando uma caixa de balas. Encontrou Eloá estudando na companhia de três amigos da escola - um deles, Naiara Rodrigues Vieira, também de 15 anos.
Lindemberg mandou os outros embora e deteve Eloá e Naiara. Espancou Eloá várias vezes. Avisada, a polícia cercou o local.
Foi convocado um especialista em negociações com sequestradores. Seu nome não foi revelado. É um coronel. Que pareceu bastante confiante quando conversou pela primeira vez com Lindemberg.
Ligou para o celular dele. Tratou de acalmá-lo. Não, a polícia não invadiria o apartamento. Não, seus desejos seriam satisfeitos desde que fossem razoáveis.
Lindemberg disse ao negociador que não faria mal a Eloá e Naiara. Mas advertiu-o que não hesitaria em fazê-lo se polícia tentasse resgatá-las. E assim se passaram as primeiras 24 horas. Havia comida no apartamento. E a energia ainda não fora cortada. Acabou cortada como manda o manual do negociador.
De acordo com o manual, o passo seguinte caberia a Lindemberg. E de fato coube. Primeiro ele disparou quatro vezes na direção da polícia. Não pareceu interessado em acertar ninguém. Foi só para assustar.
Em seguida, avisou ao negociador que soltaria Naiara em troca de luz e de comida. Deram-lhe o que pediu. Lindemberg soltou Naiara na 33a. hora do sequestro.
Os contatos entre Lindemberg e o negociador ficaram suspensos por mais de 10 horas. Era preciso cansar o sequestrador, segundo o manual.
Procurado por jornalistas, Lindemberg conversou com vários deles ao telefone. E foi a estrela de programas de rádio e de televisão. A notoriedade alcançada reforçou sua autoconfiança.
Do lado da polícia, depois da 65a. hora do sequestro, dava-se como certo que Lindemberg estava pronto para abandonar o apartamento, rendendo-se mediante a garantia de que não sofreria violência e de que os jornalistas teriam acesso imediato a ele.
Foi então que Lindemberg fez um pedido para lá de inusitado: queria Naiara de volta.
Como? Naiara de volta? Naiara, a refém libertada que àquela altura estava em casa, segura, aos cuidados da mãe? Para quê Lindemberg queria Naiara de volta?
A exigência não fazia o menor sentido. Sequestrador costuma pedir dinheiro, helicóptero para escapar, a presença de jornalistas para garantir sua segurança, mas a devolução de ex-refém?
Lindemberg justificou seu pedido. Naiara funcionaria como uma espécie de negociador do seu lado para se entender com o negociador da polícia.
De tão estapafúrdio, o pedido não consta de nenhum tipo de manual de negociador de sequestro. Talvez tenha sido por isso que terminou atendido. Naiara foi convencida pela polícia a voltar a ser refém.
O negociador da polícia deve ter pensado: a um movimento exdrúxulo do sequestrador deve corresponder outro igualmente exdrúxulo. E haveria algo mais exdrúxulo do que restabelecer a cota original de pessoas em poder de um sequestrador?
Se o desfecho do sequestro for bem-sucedido, o episódio passará a ser estudado em todas as partes do mundo. E a estrela do negociador brilhará para sempre.
Foi essa a aposta que ele fez.
Ocorre que depois de recepcionar Naiara à porta do apartamento, Lindemberg desligou o celular. E tudo indica que mudou de idéia, engabelando o negociador. A essa hora, possivelmente dorme no lugar mais seguro de Santo André.
Tem gente interessada no assunto (eu) que espanta o sono especulando sobre os vários possíveis finais para essa história.
Um deles: Lindemberg se reconcilia com Eloá e exige que um padre vá até ao apartamento para casá-los na manhã do próximo domingo. Naiara seria a madrinha dos dois.
Encerrada a cerimônia, um helicóptero da TV Globo transportaria o casal até a sede do Projac, no Rio. E ali, Lindemberg e Eoá entrariam ao vivo no programa do Faustão. Mais tarde, ele se entregaria à polícia.
Um outro final para a história: sem aviso prévio, depois de jogar os dois revólveres pela janela, Lindemberg sairia do apartamento com as mãos para o alto. Cercado por jornalistas e policiais, declararia, nervoso:
- Não dava mais para aguentar aquelas duas. Elas não paravam de falar um só minuto. Transformaram minha vida num inferno. Suplico: levem-me preso.
O sono e os 17 graus de temperatura registrados nesta madrugada em Santo André amortecem a disposição de gente capaz de imaginar outros finais para o caso de cárcere privado mais longo da história de São Paulo. Entrou, hoje, no seu quarto dia.
Rezemos para que ele se esgote do modo mais feliz possível. Amém.
Embora se baseie em notícias de jornais, o relato acima tem um pouquinho de ficção que pode ser identificada nos trechos escritos em itálico. Não digo que tal fórmula deva ser adotada nas redações por aí a fora. Mas não seria de todo mal se fosse. )
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